Ele será chamado Deus Conosco
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por Dom Arnaldo Carvalheiro Neto
Bispo Diocesano de Jundiaí

Aproxima-se o momento de recordarmos a presença de Deus entre nós. O Natal é a festa do encontro mais próximo do divino com o humano. Trata-se da memória viva da encarnação do Verbo em nossas vidas, traduzida em atitudes concretas de conversão autêntica. Conversão que deve manifestar-se com uma mudança de relação com Deus. De uma proposta individual e intimista para uma relação pessoal e comunitária. Mais do que isso, o Natal implica uma atitude de contemplação amorosa do mistério da humanidade de Jesus, frágil, dócil, entregue. Viver bem o Natal é viver em nossas comunidades e famílias a experiência daquele que quis ser a perfeita Presença, vencendo a solidão das noites escuras de nossa história.

Gosto de refletir sobre o Natal a partir de um olhar teológico de mergulho no coração da Trindade. No mistério da encarnação do Verbo, sentimos a manifestação viva de uma divindade que se revela como Amor envolvente, pura relação e doação de si. No Natal, aprendemos que Deus não quis ser Deus distante, escondido atrás das nuvens ou inalcançável nos cumes das montanhas. Ele quis ser criança no seio de um presépio. Quis caber em nosso colo frágil, fazendo-se mais frágil ainda. Assim, devemos olhar para a manjedoura como um lugar onde a primeira comunidade cristã se formou. Ali, ao redor da pequena criança de braços abertos, reuniram-se a mãe, o pai adotivo, os anjos, os pastores e inclusive os animais. A primeira manifestação do Deus feito homem não foi uma revelação privada, foi uma epifania coletiva. Nesse sentido, o Senhor quis apontar para o seu Natal como um modelo de superação de uma espiritualidade voltada exclusivamente para o eu. Ele quis ser Deus Conosco ao invés de ser apenas Deus Comigo.

Vivemos tempos de um individualismo exacerbado. Nunca em nossa história o “eu” foi tão elevado sobre os altares do desejo e da busca insaciável dos seres humanos. Há uma lógica destrutiva em nosso mundo que favorece uma competição de egos, onde cada um é chamado a disputar em todos os ambientes que habita. Nesse “salve-se quem puder” alimentado pelo mercado, todos vivemos sob a sombra da disputa. No trabalho, na família e inclusive nas comunidades, descola-se o eu das relações humanas mais autênticas como se a ele tivessem de ser devotados todos os esforços de sucesso. Tal distorção reflete a ascensão progressiva de uma lógica centrada no indivíduo e não na pessoa humana. Usamos pronomes possessivos para tudo, incluindo para nossos irmãos mais próximos. Substituímos a gratuidade pelo merecimento, lançando todos à nossa volta numa disputa cansativa onde todos concorremos contra todos e ninguém ganha.

O Natal é o contrário absoluto dessa religião do eu. No presépio não há indivíduos, há pessoas que se amam e se olham refletindo o brilho que emana da manjedoura. O Deus Conosco nunca caberá nas reduções de uma proposta intimista e individualista que se limita a uma busca marcada pela frustração da solidão. O Natal é a vitória final de um Deus que quis ser solidário e não solitário. Por isso, em cada noite de 25 de Dezembro, nos reunimos para professar nossa fé na presença efetiva e afetiva de Deus entre nós, nos tornando próximos de pessoas que amamos e que nunca serão apenas indivíduos. No Natal nos sentimos pessoas! Seres de relação que nunca se bastam a si mesmos! É a certeza de que a experiência cristã de ser comunidade sempre falará mais alto do que o esgotamento da individualidade.

Além disso, o Natal é para nós uma experiência contemplativa. Nele, mergulhamos no coração amoroso de um Deus que não se alcança com extensas e edulcoradas elocubrações intelectuais. Descobrimos que é próprio da divindade se doar, se entregar. Deus quis passar de colo em colo. Quis manifestar-se frágil e chorar como uma criança. Quis ser amamentado pela humanidade de Maria. Quis ser ninado. Na fragilidade de um bebê, descobrimos a mais pura e autêntica manifestação de Deus. Na recusa a uma proposta dos poderosos, o Senhor prefere fugir como uma criança assustada, denunciando a força da violência dos homens, embevecidos da vaidade que gera morte. Assim, no Natal, Deus nos convida a contemplá-lo nas nossas fragilidades, nas dores e súplicas daqueles que ainda hoje fogem da perseguição dos que promovem a guerra. A contemplação desse Deus deve gerar em nós uma autêntica conversão, impulsionada por sentimentos humanos mais nobres. Convido a todos os fiéis a experimentarem esses sentimentos superando os pecados que retardam em nós uma verdadeira humanidade, ressignificada por Jesus.

Por fim, desejo que em nossas almas possamos permitir mais o brilho da manjedoura do que os das vitrines decoradas. Que todos nós nos deixemos afetar pelo espírito natalino na busca de vivermos a experiência da encarnação do Verbo de maneira comunitária, celebrando com alegria com nossos irmãos e irmãs a beleza de nos reunirmos como autênticas famílias cristãs, como na noite do primeiro presépio. É certo que a noite continua escura. A injustiça, a guerra, a violência e a morte persistem em nosso meio como uma treva insistente que tenta nos desviar da verdadeira luz. Sejamos persistentes, como os magos que não se deixaram seduzir pelo brilho envaidecido dos olhos de Herodes. Busquemos a luz que jamais será solitária. A luz que fez uma estrela curvar-se sobre uma criança. A luz que os membros do presépio descobriram nos olhos uns dos outros, descobrindo, definitivamente que, a partir dali, suas vidas jamais seriam apagadas.

Afinal, o Deus Conosco continua entre nós!

Um Feliz e Iluminado Natal a Todos!