Deus Conosco
Compartilhe

Dom Arnaldo Carvalheiro Neto
Bispo Diocesano de Jundiaí

“Seu nome será Deus Conosco, Emanuel” (Is 7,14). Amados irmãos e irmãs, a profecia de Isaías explica o sentido do Natal para nós! Deus não quis ficar longe, Deus quis habitar a nossa humanidade, quis estar conosco! A mensagem da encarnação do Verbo no seio da Virgem Maria aponta para o significado da missão de Jesus entre nós: revelar um projeto de amor e doação de si, traduzido em gestos concretos de proximidade e alegria, sinais visíveis da comunicação do divino em nosso meio. Na fragilidade do Menino-Deus, vemos a escolha da manjedoura ao invés do palácio, da horizontalidade das relações humanas ao invés da violência que olha de cima para baixo e da alegria que ilumina as noites mais terríveis de nossa humanidade.

O Natal, para nós cristãos, não é uma data. O Natal é uma Pessoa. Naquela noite santa, os anjos anunciaram a grande notícia: “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11). Ainda hoje, somos surpreendidos com a força dessa mensagem. Deus se revelou não como uma ideia, como uma teoria ou como uma força estranha à nossa realidade. Deus se revelou como uma Pessoa. Quis ter o nosso rosto e pisar o nosso chão. Quis habitar nossa carne e sentir conosco as alegrias e dores do que significa ser humano. O conceito pessoa, etimologicamente, significa relação, encontro. É a evidência perfeita da vitória do Rosto ao invés da tentação da Ideia! É sempre o Rosto que supera todas as distâncias. Assim, no Natal, a proximidade de Deus se faz ainda mais sentida. Toda solenidade da liturgia das celebrações aponta para a comunicação perene e a troca de dons entre o céu e terra. Na noite santa do nascimento do Senhor, o dourado se mistura com a palha, os sinos festivos se confundem com o silêncio estupefato, os homens e os animais se admiram juntos e os brilhos dos seus olhos se confundem com o brilho da estrela. Olhamos para o Presépio e somos acariciados por uma criança. É só isso que vemos ali. Uma criança de braços abertos pronta para ser tomada ao colo. Amados irmãos, esse é o grande presente que recebemos: Deus pronto para ser levado em nosso colo! A eternidade traduzida em uma criança. E contra toda pretensão humana em se tornar deus, Deus responde tornando-se humano.

Há uma lógica divina que não pode passar despercebida por nós. A lógica da manjedoura! Os animais, quando sentem fome, sabem onde o pastor deposita o alimento. Manjedoura significa “lugar onde se coloca o alimento”. Deus quis nascer ali, quis nascer alimento, quis ser pão do começo ao fim. O Presépio é banquete. É a vitória da gratuidade da criação sobre a ganância do palácio. Sim, queridos irmãos e irmãs, Deus não quis nascer no conforto aquecido dos palácios, quis nascer no calor da humanidade fugitiva de Belém, na presença dos animais e pastores, na escuridão iluminada pelas estrelas ao invés das luzes artificiais que piscavam incessantes em Jerusalém, ansiosas por um messias triunfalista, forte e poderoso. A lógica da manjedoura ensina o contrário. Ensina que o banquete é para todos, não apenas para os que merecem, mas para os que precisam. Recordo aqui, com o coração entristecido, quantos ainda continuam fugindo da ambição dos palácios. Faço memória e presença dos exilados das guerras ou das secas causadas pelo colapso do clima. Temos também nossos exilados. Aqueles que são obrigados a deixar suas casas por conta dos rompimentos de barragens, erguidas sob a égide do lucro descompromissado. Brumadinho, Mariana e agora, Alagoas. Na fuga humana da sede de poder dos palácios, Jesus continua nascendo, gratuito, na solidariedade viva que faz com que todos sejam irmanados na mesma carne humana (cf. Fratelli Tutti, 8), como Ele preferiu se revelar.

Amados irmãos e irmãs, o Natal também nos ensina a lógica da horizontalidade no projeto do Reino. Em Belém, Deus quis rebaixar-se à nossa condição humana, assumindo-a em toda sua amplitude, exceto no pecado. Deus quis falar à nossa altura. No Presépio, assistimos entusiasmados, a vitória de uma comunicação que se curva para entender e promover, ao invés de ensinar de cima. Mesmo os reis magos compreenderam isso. Por isso, souberam ajoelhar-se e adorar o Menino. Curvando-se, abriram mão de seus títulos de preceito para reconhecer na humanidade nua daquela criança um caminho de aprendizado. Essa é a pedagogia de Deus. Ele prefere olhar-nos a partir da nossa estatura. Recordo aqui um dos grandes ensinamentos da pedagogia moderna, que nos ensina a ter uma boa comunicação com as crianças. É preciso se abaixar e olhá-las nos olhos, permitir que elas falem. Só assim, quando nos colocamos na mesma altura que elas, elas podem relacionar-se verdadeiramente.

Vivemos num mundo marcado pela lógica da distância. Estabelecemos métodos e práticas que promovem quem fala de cima, quem aponta o dedo. Edificamos relações pautadas em modelos predominantemente hierárquicos e, inevitavelmente, violentos. Revestimo-nos de símbolos e métodos que promovem a diferenciação por categorias, por classes, por méritos. A hierarquia da salvação é outra. Nela, quanto mais em cima estamos mais devemos servir. Quanto maior a estatura, maior deve ser o rebaixamento. O poder mundano, embriagado pela vaidade, se alimenta da verticalidade. O Presépio vence pela horizontalidade. Nele, o Deus Conosco que se rebaixa, nos ensina a olhar a partir da mesma estatura. O Natal é a vitória do “nós” reconhecido na intimidade do Presépio ao invés do “eu” assentado no trono solitário do poder. O Natal é a pedagogia perfeita do Deus Conosco, presença viva na comunidade que se encontra. Por isso, o Natal não compactua com o vozerio rouco dos que gritam através das redes digitais. O Natal é a vitória da humanidade que andava nas trevas e viu uma grande luz, reluzente e inebriante no olhar do irmão e infinitamente mais bela que a luz opaca das religiões virtuais e seus seguidores. Natal é a vitória da sinodalidade contra a tentação da virtualidade. É onde o humano e o divino se encontram definitivamente na troca de olhares. Que o Natal nos ajude a repensar nossos métodos e nossas práticas! Que nossa pastoral e nossos trabalhos eclesiais não sejam ditados pela lógica vertical dos palácios, mas pela horizontalidade livre e gratuita dos presépios!

Por fim, gostaria de lembrar que o Natal é uma festa de alegria. Os reis magos, “ao verem a estrela, encheram-se de alegria” (Mt 2,10). O encontro com o Deus Conosco é o grande motivo de nossa alegria! A certeza de que não estamos sós, de que nossa humanidade tem um novo sentido traz um grande júbilo aos nossos corações. A luz do Natal é diferente. Ela não pode se reduzir às luzes esfuziantes do consumo que, infelizmente, reduzem o Natal a um sentido meramente comercial. A alegria do Natal não pode ser passageira, como o entusiasmo de um presente desembrulhado que logo será esquecido e exigirá mais. A alegria do Natal nasce do encontro com a humanidade e reconhecimento de que Deus quis que ela valesse a pena. Na noite de Natal nos reuniremos como famílias. Dividiremos nossas refeições, nossas histórias, nossas vitórias e conquistas do ano que passou. No Natal nos faremos encontro. A alegria dessa noite não pode, entretanto, se reduzir ao que comemos e bebemos. Ela deve transcender. Deve nos levar a encontrar a causa dos nossos encontros. A mesa farta que compartilharemos só será de fato natalina se nela couberem nossas esperanças. A alegria cristã não nasce de outra coisa. Nasce da certeza de que nossa humanidade, repleta de dificuldades e desafios, ainda tem jeito. Deus acreditou nela. A alegria da noite de Natal deve se revestir de uma alegria não passageira. A alegria de saber que um dia fomos escolhidos para ser a morada do céu. E que só chegaremos a ele se aprendermos a encontrá-lo nos olhos uns dos outros.

Feliz Natal a todos!

Deus continua conosco!