Nos idos de 44
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por Bernardo Campos

O gênero da crônica permite transitar em qualquer narrativa ou melindre, pelo fato de abranger, tanto uma como outro, com a mesma simplicidade. E intensidade, quando necessário.
É dessa maneira que, desde o ano de 1957 até hoje, as ideias aqui se ajeitam pela via solta de um jornalismo aberto, tanto quanto seja possível.
Prazeroso por demais, então, circunscrever no alento de hoje, em especial, flagrantes da minha infância, a dos seis aos doze anos, aproximadamente.
Com esse preâmbulo, avulta consequentemente uma extensa linha de pormenores.
Vindos de Capivari – papai, a um tempo, inveterado tipógrafo e exímio articulista, – lá editara por longo tempo, em gráfica própria, seguidos semanários.
Já em Itu, instalamo-nos na rua Santa Cruz, número 536, em imóvel simples que lá persiste intacto. Fronteiriça, 533, a então residência da família Schincariol. Nesta, ali mesmo, nos fundos, já se produziam refrigerantes, vendidos em cestas de porta em porta, pelo sr. Primo e esposa. Atualmente, substituída por prédio novo, erigido pelo primogênito saudoso, – o amigo Nelson, – se aloca a Vara do Trabalho.
Deleite máximo então, da criançada dos arredores, o de jogar bola no pátio da Igreja de São Benedito, até que o incansável zelador, constantemente, dali nos expulsasse.
Da rua Santa Cruz, mudamos então para o imenso prédio, de número 140 – apelidado em família de “sobradão” – a então denominada Casa do Barão, esquina com a Travessa Monsenhor Monteiro. Já em 1945, da janela e muito próxima, eis que ainda não havia recuo na calçada, vimos e partilhamos da multidão que recepcionava os soldados ituanos que voltavam da guerra, debaixo de merecida ovação.
Quanto ao prédio em si, fácil imaginá-lo: eis que mera réplica do
Museu Republicano, defronte a Casa Paroquial. Inegável, diga-se de novo, a evidente similaridade entre ambos os edifícios.
Em citações avulsas, ao longo de 1957 até hoje, este articulista não se peja de lastimar essa deplorável perda. Tanta falta de visão e apreço para com a lendária Itu dos casarões e becos estreitos.
Nesse imóvel, portanto, família humilde a nossa, porém confortavelmente acomodada no piso térreo desse imenso sobrado, sob condição de se manter sempre limpo o andar superior, finamente mobiliado, para uso dos proprietários que, muito raramente, abalavam-se da capital. Não se omita tampouco que, nos seus interiores, havia um pátio calçado e descoberto, seguido de pequeno e bem cuidado jardim, ocupado com laranjeira, mangueira e jabuticabeira. Mesmo assim, separado por pequeno muro, havia ainda um amplo quintal, de espaço enorme, um pomar, provido de uma infinidade das mais variadas frutas.
Demolido, no entanto, para ali erigir-se o prédio conjunto da Prefeitura e Câmara Municipal, as quais, uma vez instaladas, poucos anos serviram a esse intento, porque mal planejado.
Hoje, compõe-se como um anexo do Museu Republicano na mesma Barão do Itaim.
Não saberia qualificar com exatidão as datas, mas ainda devem ser mencionados dois incêndios irrompidos em sobrados da Praça Padre Miguel. O imóvel que depois deu lugar ao atual Ituano Clube de um lado e, defronte, no oposto da Praça, o da Casa Alberto, loja de tecidos. Ambos os incidentes em altas madrugadas.
A Casa Alberto situava-se na esquina, apelidada de Beco do Fuxico, tão estreito como hoje ainda o é a Travessa Madre Teodora, noutro extremo do mesmo logradouro.
Mas a rua do Barão suscita lembranças outras, afinal delimita a cidade em dois blocos, de permeio entre as praças do Carmo e a da Praça Padre Miguel, citada também como da Matriz.
Nada, porém, deslustra o fato de que oficialmente tenha-se a Praça Dom Pedro I, chamada também como a do Cruzeiro, local demarcatório da fundação da cidade.
Nos seis anos, 44 a 49, da Barão, houvera sempre saudoso contato nosso com alguns vizinhos.
A partir do logradouro dito Jardim do Carmo, se se descer no sentido da Praça Padre Miguel, são as mesmas casas de agora, exceção feita, a da distinta família dos Carvalho, número 106, demolida, espaço hoje utilizado para estacionamento de veículos.
Já no lado ímpar, número 177, realce para a casa do amigo Plínio, filho do senhor Olavo Costa Pinho e dona Lígia Palhares de Pinho, com amplo quintal.
Frequentada por mim e, – disso não esqueço – nela fizera-me leitor pressuroso da revista O Cruzeiro e devotado da coluna denominada “Última Página”, em que pontificava Rachel de Queiroz, de estilo leve e cativante. Sim, somente depois, ia ao inflamado colunista Davi Nasser e às impagáveis tiradas cômicas de Van Gogo e outros.
Imediatamente pegado à de número 167, o clã do saudoso Professor João dos Santos Bispo, de cuja amizade e frequentes contatos, privei e aprendi na idade adulta.
Algo mais abaixo, eis que sob número 93, hoje o Hotel Internacional e onde, outrora, fora a Escola Técnica de Comércio Assinale-se, sob número 67, o portentoso sobrado que acolhe a sede do Museu Republicano, relicário da história pátria.
Os últimos metros desse lado ímpar da rua Barão, por conseguinte, na sua esquina, hoje completamente alterados por construções várias, acalentavam outrora um vistoso sobrado, no andar superior um clube e, no térreo, o indefectível Bar Aguiar.
Marca também inolvidável, a de 1947 e final de 1949, três anos, tempo áureo na minha formação, porque acrescido de uma pertença frutuosa à Associação Escoteira Nossa Senhora do Carmo. Ao inspirado e devotado Chefe, jamais olvidado por seus pupilos, o incansável Frei Osvaldo Edman, da Ordem Carmelitana perene gratidão das famílias dessa meia centena de escoteiros preparados para a vida. Deus o tenha.
Sobremaneira honrado pela minha admissão algo recente à ASLe, – Academia Saltense de Letras, em fevereiro de 2019, mercê do carinho de quem de há muito não via, o irmão – seja-me permitido dizê-lo – Augusto Gasparini Filho. Justamente ele, companheiro exemplar, como muitos outros amigos saltenses de longa data e militantes no movimento dos Cursilhos de Cristandade e do chamado Coloco, sob a orientação do destemido Pároco, inesquecível Monsenhor Mário Negro.
Assinale-se que, em menino, ia para lá constantemente, parte pelo prazer de percorrer os lugares típicos e arredores da bela cachoeira do Rio Tietê e parte, mais ainda, pelos dias em que, menores, o sobrinho Carlos e eu, a passarmos de uma travessura para outra.
Seu pai, meu irmão Nilo de Campos, instalara-se por muito tempo com ampla tipografia, justamente na Barros Júnior, defronte o Clube Saltense e, vizinha deste à esquerda, sua residência.
Tudo agradavelmente perto e de inesquecível lembrança.
Assim, distante de mim o mínimo sentimento de vaidade, alegra-me, contudo, a condição de partícipe do grupo fundador da Academia Ituana de Letras – ACADIL, trintenária e, desde 02.2.2019, como também à ASLe – Academia Saltense de Letras, por aclamação unânime, integrado pois à companhia dos preclaros seguidores do inesquecível e primeiro Presidente, Ettore Liberalesso, autodidata de verve profícua e escorreita.