Pautas sociais e morais nas eleições: a multiplicação  dos miseráveis
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“Ver e ouvir o desamparo do povo brasileiro”

por Olga Sodré

Pautas sociais e morais são frequentemente apresentadas como divisores de águas entre tendências ditas de ‘esquerda’ ou ‘direita’, ‘progressistas’ ou ‘conservadoras’. Todavia, justiça social e ética são inseparáveis. A crescente multiplicação da miséria revelou sua gritante imoralidade e ameaça à vida. Importantes questões são, então, usadas como nuvens de fumaça para encobrir a real situação do país.
Temas como repartição das riquezas, aborto, família, comunismo ou corrupção merecem ser seriamente discutidos. No período eleitoral, elas servem, contudo, para angariar votos, atacar, denegrir ou valorizar adversários e manipular opiniões, isentando seus próprios candidatos de faltas semelhantes. Nesse ambiente de distorção política, rótulos classificam e separam pessoas, tornando-as surdas e cegas diante de posições diversas.
Minha visão sobre justiça social e ética está enraizada nos ensinamentos de Cristo e na tradição da Igreja Católica, descrita nos Evangelhos e Atos dos Apóstolos. Ela difere de outras correntes do pensamento com as quais procuro manter um amistoso diálogo. Alguns me consideram ‘progressista’, outros ‘conservadora’. Muitos só lêem os rótulos ou discursos de seus grupos.
É importante entender que o conjunto da Igreja Católica abarca grupos e pessoas em estágios diversos da prática dos ensinamentos de Cristo. Alguns buscam um seguimento mais radical. Outros se doam, servem ao próximo e repartem seus bens de acordo com suas escolhas e aprofundamento da fé. Estamos todos inseridos, cada um ao seu modo, numa sociedade dividida e injusta, cujos valores diferem da proposta legada por Jesus.
Embora a Igreja ensine e se posicione de acordo com esta proposta, é fundamental admitirmos diferenças de contexto pessoal. Assim sendo, de nada serve julgar ou atacar pessoas, avaliando-as segundo perspectivas particulares. Prefiro contribuir com projetos que beneficiem a vida e o bem comum. Por isso, procuro colaborar com amigos norteados por princípios humanistas e por justiça social independentemente de nossas diferenças. Partilho com eles estas escolhas, transmitindo-lhes minha visão própria e experiências espirituais.
Estamos unidos no enfrentamento dos graves problemas sociais e humanos que afligem nosso país e o mundo. Os mais pobres sofrem profundas carências em necessidades básicas; amargam diariamente os descalabros políticos; sobrevivem massacrados pelas ameaças climáticas, retorno da inflação, baixa do poder aquisitivo, ampliação da fome e do desemprego, deficiências de habitação, transporte e educação. Crescem assustadoramente violências de todo tipo, variadas formas de roubo e fraudes. Fenômenos semelhantes multiplicam-se mundialmente, e o tema ‘os miseráveis’ retornou inclusive na França do século XXI.
Encontramo-nos há cerca de 3 meses das próximas eleições políticas brasileiras. Qualquer que seja o resultado, os problemas continuarão e ameaçam até agravar-se. Não podemos, portanto, nos limitar a brigar pelo poder, isolando-nos em nosso conforto e conquistas pessoais. Pagaremos caro se continuarmos sem ouvir e conviver com o povo, surdos e indiferentes ao seu clamor.
Não é animador o futuro do Brasil, sem horizonte para os jovens. Os que podem abandonam o país em busca de melhores possibilidades. A população parece perdida e sem rumo. Seu desamparo, desespero e desesperança não toca os corações de pessoas fechadas em seus gabinetes, redutos sociais e políticos?