A graça do Domingo
Nunca fui muito ligado a futebol. Embora tivesse um time de preferência, herdado da tradição familiar, sempre me contentei em assistir a Copa do Mundo, a uma ou outra final de campeonato e a conhecer resultados. Acho muito tempo duas horas de jogo! Porém, há algum tempo amigos de trabalho adicionaram-me num grupo de celular de torcedores do meu time, o que me permitiu – na medida em que o tempo e, por que não dizer, a paciência me permitam – acompanhar um pouquinho mais o assunto.
Foi assim que, checando as mensagens do tal grupo certa ocasião, quando já encerrados todos os campeonatos nacionais e estaduais, li a seguinte expressão de um participante: “Domingo sem graça”.
Naturalmente que o autor da frase se referia ao fato de que naquele dia não haveria jogo de seu time do coração e que, por isso, o domingo não seria o mesmo. Mas fato é que por detrás da suposta ingenuidade da reação do torcedor está uma atitude quase que generalizada nos nossos dias, de total desvirtuamento do domingo, do dies Domini tornado dies Christi pela ressurreição de Nosso Senhor, ocorrida naquele “primeiro dia da semana”.
O Domingo, já de bons tempos pra cá, tem se tornado – mesmo para os que se dizem cristãos – um dia absolutamente dissociado do culto que temos por obrigação e necessidade primordial prestar a Deus. Passou a ser um dia de falso descanso, de entretenimento desenfreado, sem qualquer preocupação com a dedicação de pelo menos uma parcelazinha dele ao encontro com Deus, consigo mesmo e com a comunidade de fiéis – a Igreja. No Brasil, em particular, os estádios de futebol passaram a ser, para a grande massa da população, os grandes templos da atualidade, para os quais são dirigidas todas as atenções nesse dia.
Na audiência geral de 05/09/18, Francisco exortava ao fato de que, hoje, “a indústria da distração é muito florescente e a publicidade desenha o mundo ideal como um grande parque de diversões. O conceito de vida dominante hoje não tem o centro de gravidade na atividade e no compromisso, mas na evasão. Ganhar para divertir-se, satisfazer-se. A imagem-modelo é de uma pessoa de sucesso que pode permitir-se amplos e diversos espaços de prazer. (…) O homem nunca repousou tanto quanto hoje, e ao mesmo tempo o homem nunca experimentou tanto vazio como hoje! As possibilidades de divertir-se, de sair, de fazer cruzeiros, de viagens, de tantas coisas que não dão a plenitude do coração. Ao contrário, não dão repouso”.
É preciso um reencontro do homem com o verdadeiro sentido do descanso semanal: o descanso “no Senhor”: porque, ao fim da criação, “Deus contemplou toda a sua obra e viu que tudo era muito bom” (Gen 1,31), iniciando então o dia do repouso, da contemplação do que fez. O dia em que o ser humano, pausando a correria da semana, reencontra-se consigo mesmo, olha para trás e bendiz e agradece a Deus pelo que viveu na semana, quer tenham sido alegrias, quer tenham sido tropeços.
Nesse sentido é que entra o encontro por excelência com o Criador, a que somos chamados a participar todos os domingos – a Santa Missa. Não há melhor forma de se encontrar verdadeiramente com Deus, de efetivamente “descansar no Senhor”, que participando do sacrifício salvífico de Cristo, atualizado a cada Santa Missa. Esta é e deve ser a prioridade no Domingo cristão, à medida que nela temos a oportunidade de nos unir a Cristo na oferta de Sua vida ao Pai. A oportunidade ímpar de render graças a Deus pelo dom da vida e da vida em Cristo. A ação de graças por excelência: a Eucharistia.
Nos primeiros séculos não existia a abstenção dominical do trabalho. Apesar de a tradição judaica contar com o descanso no sábado, a sociedade romana não possuía essa previsão. Então, o descanso semanal – hoje quase universalmente instituído no Domingo – é uma contribuição específica do cristianismo. Para, pelo sentido cristão, não mais vivermos como escravos, mas como filhos, animados pela Eucaristia, enquanto aguardamos o Domingo sem fim, do qual cada Domingo é figura de esperança.
No ano 304, durante as perseguições do sanguinário imperador Diocleciano, um grupo de cristãos do norte da África foi surpreendido a celebrar a Missa numa casa e aprisionado. No interrogatório, o procônsul romano perguntou a esses cristãos por que haviam feito aquilo mesmo sabendo que era absolutamente proibido. Ao que responderam: “Sem o Domingo não podemos viver”, o que significava que sem poder celebrar a Eucaristia, a vida cristã deles morreria.
É claro que toda diversão sadia é perfeitamente lícita: o repouso, os encontros familiares, as práticas recreativas e esportivas, incluindo o futebol. Porém, esse descanso dominical a que temos direito e – muito mais que isso – ao qual somos chamados como cristãos, deve necessariamente compreender a participação consciente e piedosa da Santa Missa. É nessa união íntima com Cristo que reside a verdadeira graça do Domingo.