O tempo e a memória
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Há dez anos, acompanhado do amigo Marcelo Lobo Rosa, bisneto do compositor Elias Álvares Lobo, estive no cemitério da Irmandade do Santíssimo Sacramento, em São Paulo, a fim de realizar a exumação dos restos mortais do músico, falecido em 1901, e trazê-los para Itu, onde seriam sepultados em belo túmulo construído por um conjunto de esforços entre os Instituto Cultural de Itu, empresas locais e a municipalidade.
Era a data cheia dos 180 anos de nascimento do maestro, que veio ao mundo em Itu, como sabemos, a 9 de agosto de 1834. A sepultura, esquecida da memória de sua terra, apenas visitada por alguns parentes, melhor estaria no cemitério ituano à vista de seus conterrâneos.
Aberto o túmulo, o funcionário do serviço funerário retirou a tampa do caixão e avistamos os ossos do compositor. Confesso que fiquei maravilhado diante daqueles restos mortais, que estávamos vendo pela primeira vez desde que foram sepultados, diante de uma multidão de amigos, ex-alunos e admiradores do homem que escreveu a primeira ópera nacional em língua portuguesa, que viveu dias de glória na Corte de Dom Pedro II, que foi motivo de tanta alegria nas casas de famílias que promoviam saraus e bailes ao som das suas modinhas, romances e lundus, ou que inspirou almas devotas através das missas, novenas e motetes de sua composição.
O crânio foi retirado com cuidado, mas durou somente mais dois ou três segundos e desfez-se em dezenas de pedaços ao contato com o oxigênio. Esta cena sempre me vem à memória quando penso na efemeridade da vida e da matéria… de certa forma, pareceu – para mim – que Elias Lobo havia morrido pela segunda vez, naquela manhã. O que o salva do esquecimento, em nossa cultura, é a memória, a lembrança de sua atuação e, sobretudo, a execução da sua obra musical.
Em uma aula de piano, há mais de quarenta anos, a Prof. Anna Escobar me falou da importante obra do maestro Lobo, tio das irmãs Lobo, em cuja casa, ela viveu na juventude, tempo do segundo matrimônio de seu pai. Lembro-me que perguntei se as músicas eram bonitas e ela caiu em si, dizendo-me que jamais ouvira alguma delas.
Neste ano em que celebram-se 190 anos do nascimento de Elias Lobo, completam-se também trinta anos do trabalho ininterrupto do Coral Vozes de Itu na divulgação dessas partituras. A música é uma linguagem que não se completa pelo simples registro em papel. É preciso cantar, tocar, para que tenha vida. Nos últimos anos, juntou-se ao coral, a Schola Cantorum que, em 2024 tem executado mensalmente a obra do maestro Lobo em todas as missas em que participa. Em 2022, o Conservatório de Tatuí reapresentou a ópera A Noite de São João. No mês passado, foi a vez da Missa do Senhor Bom Jesus reviver em São João del Rei.
Iniciativas, como estas, dão vida ao acervo, preservado no Museu da Música – Itu, e mantêm vivo o legado do compositor, para a gente dialogar com a beleza que ele deixou.