O centésimo 21 de julho de um pastor
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Noites de 21 de julho. Todos os anos, desafiando o frio e o vento ituano dessa época do ano, a igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária estava repleta de gente. Repicar de sinos, o coro e o órgão, padres de outras igrejas, irmandades, coroinhas… Alguma solenidade litúrgica ou visita de bispo? Que nada! Era aniversário do pároco Monsenhor Camilo Ferrarini! A comunidade paroquial se reunia para a missa celebrada por aquela figura simples e carismática que ocupou o paroquiato da Candelária por quase 25 anos, e que naquela noite rendia graças a Deus por mais um ano de vida. E depois da missa, aquele alvoroço no salão paroquial para abraçar o sacerdote que acompanhou a vida de uma geração de ituanos, enquanto eram servidos alguns comes e bebes que cada um levava pra fazer a “festa do vigário”.
Monsenhor Camilo veio a Itu meio que por acaso. Depois de estar na cidade para participar de uma festividade mas já designado para outra missão, acabou sendo arrebatado para a Roma Brasileira pelo povo que cativou com sua simplicidade e sermões italianados. Um grupo de paroquianos foi até seus superiores e conseguiu que ele fosse transferido a Itu, como substituto do pároco anterior, o ituano Pe. Luiz Gonzaga de Camargo. “E assim…” – expressão com a qual ele sempre iniciava suas falas – começou sua relação de dedicação e carinho ao povo da cidade, àquela época ainda com apenas três paróquias.
No tempo em que permaneceu em Itu, Monsenhor Camilo empreendeu incansável atividade de pastor, guiando os rumos da paróquia com amor e zelo. Fundou novas paróquias e comunidades rurais, incentivou irmandades e pastorais e atendeu o povo com uma força invejável, em tempos em que até de madrugada os padres eram chamados… e iam! Como os carmelitas e jesuítas o ajudavam nas outras 10 igrejas da paróquia, na Matriz, com exceção das segundas-feiras em que celebrava só de manhã, rezava missa diariamente, de manhã e de tarde. No domingo eram quatro missas, quando não aparecia alguma nos sítios e fazendas da cidade. Como se esmerava pelas festas da paróquia: da Padroeira, do Divino e de Santo Antônio, de São Benedito e de Santa Rita, com seus tríduos, procissões e quermesses e leilões!
Jamais se verá novamente em Itu procissões como as que ele fazia. Do púlpito colocado nas escadarias da Matriz ele ia organizando o cortejo: “Irmandade de São Benedito, pode começar a subir a Barão de Itaim… subam… sigam acompanhando a irmandade, de um lado e de outro da rua… Pai nosso, que estais no céu… vamos subindo, rezando e cantando… Círculo Católico, sigam pelo meio… Ave Maria, cheia de graça… coroinhas, podem subir também… irmandade do Santíssimo, fiquem na frente do andor… banda União dos Artistas… banda Nossa Senhora do Carmo, obrigado pela presença… não fiquem na praça, vamos subindo… alegres e felizes… com muito amor e carinho…”. Ah, como essas palavras fazem falta em meus ouvidos…
Seu apoio às irmandades e movimentos paroquiais era determinante para o sustento espiritual da paróquia. Fazia-se presente em todas as reuniões, sempre com palavras de incentivo e orientação. E olha que não eram poucas: irmandade do Santíssimo… Círculo Católico… Santo António… Boa Morte… São Miguel… São Benedito… Nossa Senhora das Dores… E ainda fundou a Confraria da Sagrada Paixão, certamente inspirado em suas raízes de padre passionista. Fora os movimentos novos, como o Encontro de Casais e de Adolescentes, os grupos de jovens e os coroinhas. Até as meninas que ajudam casamento – o MAC – ele criou para que também elas pudessem participar, já que o serviço do altar era reservado aos meninos. E como elas trabalhavam, pois casamento sábado de tarde na Matriz ele fazia de meia em meia hora…
Após deixar a paróquia, continuou trabalhando e atendendo em sua nova residência, no Rancho Grande, tal como fazia diariamente na Casa Paroquial, onde fazia até fila. Mas a saúde debilitada já não permitia os esforços de antes. O final da vida foi marcado por várias e penosas internações. Meu pai teve a oportunidade de acompanhá-lo nesse momento delicado, revezando com outros amigos nas longas noites passadas na Santa Casa de Itu, procurando retribuir um pouco todo o bem que fez para a cidade e, em especial, para nossa família. Seu velório e enterro pararam o centro da cidade, quando uma multidão foi-lhe dar o último adeus.
Haveria ainda tanto que falar… mas optei por colocar aqui algumas das muitas lembranças que povoam minha mente e me enchem de saudade desse grande pastor e amigo que passou por nossa cidade e pela minha vida. E que neste 21 de julho de 2024, vivo fosse, estaria completando 100 anos de existência. Saudade de Monsenhor Camilo, o sacerdote que me batizou, que me atendeu em confissão pela primeira vez, que me deu a primeira comunhão, acompanhou-me no recebimento da Crisma e do qual fui coroinha…

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