O saudoso presépio mecânico do Bom Jesus
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Luís Roberto de Francisco

A tradição da montagem de presépios na igreja do Bom Jesus remonta ao século XIX. Antigas e belíssimas peças em terracota sobreviveram até a década de 1990, desde o tempo do padre Francisco Pacheco de Campos (1778 – 1868), zeloso capelão daquela igreja, para nos mostrar essa histórica prática naquele templo. Com a presença dos jesuítas, a devoção se intensificou: o padre Marcello Rocchi SJ, em suas cartas ânuas revela que em 1897 o jovem negro Belisário e outros meninos do catecismo criaram um presépio que ele benzeu na noite do Natal.

Desde os anos de 1930 há registros dos congregados marianos se dedicando a montar um presépio na igreja, às vezes no fundo, às vezes junto ao arco cruzeiro. Nicolino de Francisco (1912 – 1986), artista popular, era o principal envolvido na construção da gruta e organização das peças que entretinham os visitantes.

A chegada do padre Ranulpho Amirat (1923 – 2010) a Itu, em 1968, trouxe outras perspectivas para a comunidade e para a história do presépio. Após estudos de doutorado em Física, na Universidade da Califórnia (EUA), ele viveu no Rio de Janeiro, onde foi professor na PUC; mas um problema de saúde o fez retornar à terra natal. Entre as muitas invenções do padre-cientista esteve um presépio mecânico, aproveitando as habilidades dos voluntário Nicolino e Antonio de Paula (Mexerica): criaram uma estrutura de cenário e suporte para bonecos que se moviam através de uma rede de engrenagens feitas de sucata de motores e correias de geladeira que se misturavam a rodas de bicicletas.

No dia de Natal de 1975 o primeiro presépio mecânico foi montado na entrada do Teatro São Domingos, já usado como cineminha pelo padre Roberto Godding havia algum tempo. A ideia foi bem aceita pela comunidade e só cresceu ao longo do tempo. O ex-prefeito de Itu, Olavo Volpato doou seu antigo trenzinho, que formou novo núcleo mecânico no mesmo salão. Para manutenção, cobrava-se Cr$ 0,50 por ficha. Cada uma permitia mover um dos quatro ou cinco núcleos do presépio por um minuto. A sonorização de fundo aumentava o clima natalino.

Por treze anos o presépio mecânico funcionou no teatro, diariamente do dia de Natal até o dia 02 de fevereiro, das 14h às 22h. Muitas famílias o visitavam, sobretudo as crianças que achavam interessantes as diversas cenas: a praça com a banda de música, o circo com o toureiro, as casas iluminadas, enfim, uma cidadela com diversas paisagens pintadas em cenário de tecido no fundo e com construções em miniatura feitas com papelão. Os personagens, ora criados de material reciclado com roupas de tecido, ora de isopor pintado eram fixos ou se moviam conforme a invenção de seus criadores.

O ano todo o presépio era reprogramado; alguns voluntários cuidavam da limpeza, manutenção de bonecos e peças; o padre Amirat, nas horas vagas, ligava o mecanismo para corrigir algum pequeno problema.

O presépio foi desmontado entre julho e agosto de 1989.

 

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