Aconchego, saúde e paz
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Conto de Natal
por Bernardo de Campos

Procurem, afáveis leitores, imaginar estar-se numa cidade de seus cem mil habitantes, pouco mais, pouco menos. Diga-se pois na média, assemelhada a outras, ao infinito, neste imenso país, de feição continental.

É num ambiente dessas características que vivia uma família exemplar por todos os crivos que fosse avaliada.

A mamãe, dona Helena. Durante muito tempo, almejara trabalhar fora, com o que porém nunca concordara o cônjuge.

De certa forma, dava conta dos afazeres domésticos que se sabe serem muitos. Com o tempo, definiu-se por expandir a qualidade nela inata, de exímia costureira. Curso adstrito, trazia desde os tempos de solteira.

Seu Ambrósio, diga-se no todo Ambrósio Salles, de há muito empregado numa revenda de automóveis novos, granjeara tamanha confiança, tanto que seus patrões – casal sem filhos – era dado a semanas em viagens de recreio, Brasil afora, uma delas ao ano, de um mês, porém no exterior. Confiava na firmeza e idoneidade de seu Salles, acatado por toda equipe de empregados. No mesmo local, mas separado por muro de meia altura, nele eram dados os últimos retoques e limpeza dos veículos.

Fica-se a esta altura, a constatação de se discorrer sobre um conjunto familiar exemplaríssimo.

Filhos? Sim, o casal os tivera, dois meninos, Júlio e André, dezessete e quinze anos. Ajuizados e de íntima ligação com os pais, erigiram uma sociedade de fato a prestar em pequeno galpão alugado, serviço de pequenas e médias entregas. Assim ajustados e bem-sucedidos, pois alcançaram conceito cada vez maior e melhor.

Nesse contexto, aplicada a família toda, um natural e consequente enquadramento na classe média bem-sucedida, mas consciente e com os pés no chão.

Tementes a Deus, ofereciam notório bom exemplo, sob a admiração dos amigos e conhecidos, eis que, os quatro, sempre presentes à Santa Missa dominical na Igreja Matriz da Paróquia da Sagrada Família, a das nove horas.

Costume consagrado, nessas manhãs domingueiras, semanalmente o Reverendíssimo Pároco, Padre Mário, ainda nos seus verdes trinta e sete anos, benquisto de todos, integrara-se com o tempo a costumeiramente ser levado a almoçar na residência do casal, dona Helena e seu Ambrósio. Assim se fizera nesse domingo.

Essa manhã, deveras alongada, contou com um assunto novo, inesperado, surpreendente. Júlio revelou um sonho, acalentado em segredo ano e meio, o de ingressar num Seminário, em cidade distante, resolução a essa altura, concreta e solidificada.

Silêncio profundo e prolongado. Pasmo geral.

Dona Helena, já com dificuldade de dizer qualquer palavra, levanta-se pressurosa para abraçar o filho. Também André não se conteve, tomado de pranto aberto, enquanto o senhor Ambrósio e o Padre Mário, muito mal também disfarçavam as lágrimas.

Vivia-se meados de dezembro.

Dali para frente, cuidou-se de imediato de procurar um substituto, companheiro pois de André, o que se resolveu de pronto.

Na semana seguinte, na missa das nove, o Padre André revelou ao povo a deliberação do Júlio, sob demorado aplauso, além de, ao final, todos, conhecidos, amigos ou não, fazerem questão de abraços ao Júlio.

O futuro seminarista se desprendeu com a rapidez possível de tudo que possuía, desde que sem serventia na clausura.

A chamada Missa do Galo, na noite do dia vinte e quatro, já contou com o André na condição de acólito e ao término os fiéis, outra vez, se acotovelaram para mais abraços e congratulações.