O padre santo de Itu
Nas missões populares em que pregavam o padre Taddei e seus companheiros jesuítas italianos, tais como Giuseppe Giomini, Angelo Sabbatini, Antonio Onorati dentre outros, estiveram diante de comunidades muito diferentes das que estavam acostumados em sua terra natal. A pobreza material e a miséria do conhecimento eram, porém, comuns aos dois universos, do velho e do novo mundo.
Deixando a cidade de Itu e embrenhando-se pelos sítios e bairros rurais da região, os missionários encontravam comunidades cheias de fé, mas sem qualquer instrução espiritual e mesmo social. Muitos homens e mulheres haviam participado da vida religiosa somente nos momentos em que estiveram diante dos sacramentos do batismo, crisma e matrimônio. Não havia padres suficientes para atender toda a gente. Muitos sacerdotes daquele tempo eram formados para atividades mais políticas do que religiosas. Recebiam a côngrua do governo para assinar papéis, lecionar, preencher informações nos livros de registro, pouco tempo sobrando para a vida religiosa.
Os jesuítas se espantavam com a situação de abandono e ausência de cuidado com a gente empobrecida por parte do governo e por parte dos que detinham o poder da terra e acumulavam riqueza material. Aos pobres sitiantes, vivendo em casas mal construídas à beira de antigos caminhos, terra infértil, sem conjuntura para progredir, sem alternativas para contornar as dificuldades, porque lhes fora imposta a condição de inferioridade, restara a fé. No século XIX os escolarizados passaram a chamar aos sitiantes pela velha alcunha dos paulistas do interior: caipiras.
Em Tietê houve um episódio interessante, como nos relata o historiador padre Aristides Greve, na biografia que escreveu sobre o padre Taddei, em 1938, em relação ao encontro do jesuíta com um desses grupos de velhos paulistas: “No último dia da missão (…) o Pe. Taddei abençoou o povo e se despediu. Havia no bairro uns 5 ou 6 mamelucos de mais de 80 anos, antigos pilotos das monções de Porto Feliz – Cuiabá, os quais ainda conservavam as tradições dos primeiros padres ituanos e jesuítas. Esses rudes velhos ajoelhados beijavam as mãos do missionário dizendo: “Adeus, Padre Santo de Itu” e todo o povo repetia: “Adeus, Padre Santo de Itu”.
A cultura popular brasileira é rica em devoção e espiritualidade. Se, de um lado, ela é constituída pelas diversas matrizes que compuseram o patrimônio imaterial do nosso povo, por outro lado ela desenvolve, na gente menos estudada, enorme sabedoria e intuição. A percepção do sagrado é um dom de quem estuda pouco e sabe muito, gente especial que, mesmo sem instrução religiosa, reconhece nos olhos de quem carrega a verdade, a grandeza de alma.
Aquele apelido singelo, nascido no encontro mais bonito, de quem trazia do passado a herança dos velhos missionários jesuítas, tornou-se um reconhecimento por todo o país, a ponto de ser, o padre Bartolomeu Taddei, confundido com um verdadeiro santo, conselheiro de grandes e humildes. Assim passou a ser conhecido como o “padre santo de Itu”.
Luís Roberto de Francisco
Biblioteca Histórica “Padre Luiz D’Elboux”