Religião e Eleições
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Experiência e sentido da participação política dos Católicos

O uso eleitoral da religião vem mobilizando discussões políticas. A questão não é nova. Contudo, verificam-se particularidades atuais nas manifestações de distintas tendências na Igreja Católica. Já no início de minha participação política, em meados do século XX, notei diferenças entre católicos ditos ‘conservadores’ e ‘progressistas’. Observei as manifestações da ‘Marcha da Família com Deus pela Liberdade’, organizadas, em 1964, por grupos católicos ‘conservadores’ contra a ‘ameaça comunista’. Elas favoreceram o golpe e instalação da ditadura, que perseguiu, prendeu e torturou (inclusive católicos e representantes do clero).

Tal ‘ameaça’ não existia, nem existe no presente cenário, embora tais discursos continuem sendo repetidos por pessoas movidas por convicções morais e religiosas. Não discuto a autenticidade delas – que respeito, mas seu sentido, transformação e papel, no plano religioso, social e histórico. A situação atual é diversa de 1964, pois a maioria do povo brasileiro, da sociedade civil organizada e dos bispos católicos vêm se manifestando a favor da democracia, contra o golpe e pelas eleições.

Quando voltei ao Brasil, em 1980 – após a redemocratização, os bispos católicos tinham amadurecido com o processo político. Passaram a incentivar a participação eleitoral dos católicos, procurando evitar o uso político da religião. Pude constatar diretamente esta posição dos dirigentes católicos, em minha paróquia do Rio de Janeiro. Verifiquei que os padres transmitiam orientações gerais e aprofundavam temas sociais, apresentando critérios de escolha sem influenciar o voto partidário.

Ao vir morar em Itu, em 2010, encontrei inicialmente situação semelhante. Ocorreram, entretanto, mudanças posteriores, expressas na atual eleição: polarização política, retorno dos antigos discursos de 1964, ataques e defesas de candidatos, até mesmo em missas de diversas cidades. Manifestações eleitorais são válidas, mas tais disputas políticas dentro de igrejas destoam do ensinamento de Cristo e do Papa Francisco.

As mudanças despontaram após a crise mundial de 2008 e expansão do ‘nacionalismo cristão’ em vários países: Estados Unidos, França, Hungria, Índia, Brasil. Alguns analistas sugerem relação entre protestos brasileiros de junho de 2013 e crescimento da ‘onda de direita’. Os eventos de 6 de janeiro de 2021, em Washington, demonstraram os perigos do ‘nacionalismo cristão’. Ao unir ideologia e crença religiosa, este movimento confere ‘legitimidade’, mas fomenta exclusão, divisão, ataque aos adversários e violência – em prejuízo da diversidade, pluralismo, acolhimento e amor nas igrejas.

A posição atual da Igreja Católica não é a mesma da época do fascismo europeu, das duas Grandes Guerras Mundiais e do temor da expansão comunista. O ensinamento papal dos últimos 60 anos avançou. Vem se colocando francamente no rumo do internacionalismo e multilateralismo; oposição ao nacionalismo e xenofobia; separação de religião e estado; defesa da democracia, direitos humanos e liberdade religiosa.

O Papa João XXIII (1958-1963) rejeitou as expressões teológicas do nacionalismo: fusão entre nação e religião, entre catolicismo e ideologia. Defendeu diálogo, fraternidade, união e amor universal. Decisivo para esta mudança foi a contribuição do Concílio do Vaticano II (1962-1965). O Papa Francisco deu continuidade e fortaleceu este pensamento papal, recusando claramente tal nacionalismo e a mistura da religião com ideologia.