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Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

De acordo com a lógica da encarnação de Deus em Jesus Cristo, a Igreja aceita os riscos de assumir um compromisso concreto na história humana. Esse gesto comporta tomadas de posição, assumindo o amor gratuito e desinteressado como núcleo fundamental. A presença cristã na sociedade se traduz pela lógica da gratuidade, pois essa estimula cada cristão a encontrar o adequado comportamento no uso das riquezas, do poder, da sexualidade e do Planeta.

Traz consigo uma visão especifica de um humanismo solidário, uma antropologia que remete ao transcendente e a uma ecologia integral. Tal cosmovisão nem sempre é compreendida e, não raras vezes, provoca reações contrárias desde a Idade Antiga. A lógica do amor de Deus, revelado em Jesus Cristo, sofre resistências.

Na fidelidade ao Evangelho, a fé cristã não hesita em promover a criação de obras e instituições que expressem a caridade, atuando, especialmente, com os que estão socialmente excluídos e moralmente perdidos na sociedade atual. Afinal, a todos se dirige a Boa-Nova que liberta, converte e salva.

Nesse sentido, a Igreja há de educar os seus fiéis para um sadio relativismo, capaz de reconhecer, dentre os bens que passam, aqueles que são eternos. O crente há de viver onde está inserido, sem cair nas ilusões idolátricas que cada contexto histórico pode produzir. Afinal, a Igreja não pode enclausurar-se numa fé privada, mas deve compreender seu papel e a oportunidade de participar da busca comum que a sociedade faz para encontrar sentido e felicidade. Ela deve colaborar com suas tradições morais, com sua sabedoria secular e com a sua visão de ser humano.

A Igreja, igualmente, não pretende descartar o debate e nem pode apresentar soluções elaboradas por antecipação, mas se impõe com seu engajamento com todas as vozes da sociedade para descobrir as implicações reais e os riscos das soluções propostas. Será sempre função da Igreja despertar para a consciência moral, com a finalidade de suscitar consciências capazes de julgar sem se deixarem abalar pela sedução do relativismo. A Igreja propõe a lei moral, despertando liberdades responsáveis e promovendo uma sociedade justa.

Sobre muitos assuntos, os crentes não têm nada de específico a dizer, seja pelo consenso de algumas matérias, seja pela novidade de certas questões.

A Igreja, contudo, diante dos impasses de uma sociedade complexa, há de distinguir as forças de vida das forças de morte.

Cabe à Igreja apelar à esperança, apontando para as potencialidades extraordinárias de criatividade humana e da engenhosidade da sociedade mesmo em tempos pandêmicos. À Igreja compete atestar que, em toda a noite escura, brilha uma luz que é a ressurreição. Trata-se, pois, de um otimismo maduro e lúcido, consciente da presença do negativo, mas carregado de esperança transcendente.