Vocação: identidade e missão!
Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
é chamar alguém pelo nome que, biblicamente, designa eleição para uma missão. Ao chamado, corresponde uma resposta livre e decidida. Somente há resposta quando se escuta o chamado. O homem bíblico se descobre na relação com o Deus que chama. Assim ocorreu com Moisés, diante da sarça ardente, ao receber a missão, confiada por Deus, de libertar o povo da escravidão no Egito. Diante da chamada, Moisés responde: “Quem sou eu para ir ao Faraó e fazer sair do Egito os israelitas?” (Ex 3,11). Moisés se questiona sobre sua identidade e condição. O vocacionado sente seu limite e suas impossibilidades concretas que lhe são inerentes. Sente-se fraco e incapaz para a grande missão solicitada.
O chamado exige que o vocacionado, consciente de seus limites, torne-se uma nova pessoa, e isso o atinge de forma tão profunda que exige que revise toda sua existência. A nova condição do ser humano, que se encontra com o Deus único e verdadeiro, é possível pela ação direta daquele que chama. Assim, à questão de Moisés titubeando em aceitar a missão, Deus responde: “Eu estarei contigo!” (Ex 3,12). No original hebraico, o “eu estarei” pode ser compreendido também como “eu serei”, uma alusão direta ao nome de Iahweh que significa: “Eu sou aquele que sou” (v. 14). Isso possibilita compreender que, diante da pergunta: “Quem sou eu?”, não há uma resposta. O ser humano só se autocompreende no contexto de sua relação com o seu Criador. A criatura foi vocacionada à vida, mas precisa, livremente, responder ao convite de levar à plenitude essa existência.
Na visão bíblica, o ser humano não é concebido a partir de sua estrutura biológica ou de um sentido filosófico. A essência do ser humano é abordada a partir de sua relação com Deus. Seu objetivo é descrever as relações fundamentais do ser humano no seu ser e no seu existir-no-mundo, tendo como centro sua relação criacional e dialógica com Deus. O ser humano se relaciona com a Terra, as plantas e os animais numa postura de senhorio e de autonomia, mas seu relacionamento mais importante é com Deus. Ao garantir sua presença nos caminhos da vida, Deus não diz quem é o ser humano, nem o que deve (ou não) fazer. O Deus do Evangelho é Emanuel, é Deus-conosco no mundo, que trabalhou com mãos humanas na carpintaria de José e chorou a morte de seu amigo Lázaro.
Uma vocação cristã é sempre uma resposta a Jesus Cristo que convida, ainda hoje, homens e mulheres, a segui-lo no serviço à humanidade, para que todos tenham vida e vida em abundância (Jo 10,10). O ser humano é vocacionado a viver gestos de fraternidade no cotidiano, onde o amor se faz concreto e é personalizado. Especialmente o cristão não pode sustentar a ideia de que devemos amar a todos sem amar ninguém, pois somente a cultura da proximidade é capaz de anunciar o Cristo.