Dom Cláudio
por Dom Pedro Cipollini
Bispo de Santo André (SP)
É sempre bom fazer a memória de pessoas ilustres. Muito mais quando a elas estamos ligados pelo dever da gratidão, como é o caso do Cardeal Dom Claudio Hummes e o Grande ABC.
Após longa doença, faleceu em 4 de julho, em São Paulo. Tinha 87 anos. Nasceu em Montenegro-RS, era franciscano e se tornou sacerdote em 3 de agosto de 1958, após doutorar-se em Filosofia. Eleito bispo a 22 de março de 1975 foi ordenado em 25 de maio do mesmo ano, para ajudar Dom Jorge, primeiro bispo de Santo André.
Porém, seis meses depois de sua chegada assumiu como titular da diocese de Santo André. Aqui permaneceu durante 21 anos, até ser transferido para a Arquidiocese de Fortaleza e depois São Paulo. Eleito cardeal, trabalhou no Vaticano como prefeito da Congregação do Clero. Regressando ao Brasil ocupou vários cargos em prol da Igreja na Amazônia, onde gostaria de ter sido missionário quando jovem.
Foi um homem que viveu o carisma franciscano num estilo de missão. D. Cláudio Hummes, embora filósofo de formação, não ficou trancado em seu gabinete, governando por relatórios, mas foi para o meio do povo e adquiriu o “cheiro do rebanho”. Assim dedicou-se generosamente à causa dos pobres e dos últimos. Orientou a ação pastoral fazendo-a acompanhar pela promoção social da dignidade da pessoa.
A sua voz de denúncia era firme e límpida, sem agressividade, longe de reivindicações ou contraposições ideológicas, movida apenas pela consciência de que «quando uma pessoa adere a Jesus Cristo, a consequência imediata é a preocupação pelos irmãos: Jesus Cristo nos ensina a fraternidade, que nos leva necessariamente a combater o individualismo, o egoísmo e a avidez», como afirmou em maio de 1988, ao iniciar sua missão na arquidiocese de São Paulo.
Não gostava de se subtrair ao diálogo, e ao confronto, quando necessário, convencido da responsabilidade pessoal de cada cristão na construção do Reino de Deus, Reino de justiça e paz! “Convertamo-nos nós em primeiro lugar”, era a sua resposta aos que se lamentavam das crises eclesiais e sociais.
Em Santo André, entrou em contato com a questão social, com as lutas dos metalúrgicos que explodiram no final dos anos 70, e também com o desafio político da ditadura militar. Dom Claudio teve um papel decisivo na solução da complicada disputa existente. Chegou a abrir as portas das igrejas para reuniões de sindicalistas, aos quais o governo tinha fechado as sedes, e em várias ocasiões atuou como mediador entre a polícia e os manifestantes para evitar ações violentas.
Esclarecia que a sua ação se baseava no Evangelho e que o seu objetivo era a evangelização, não a luta social como finalidade em si mesma. Luta que nunca pode substituir a experiência de fé que é o ponto de partida para a aplicação do Evangelho na prática.
Para Dom Claudio, seu tempo no Grande ABC, foram anos apaixonantes, tornando-o ainda mais consciente da realidade dos pobres e oprimidos. A experiência entre os trabalhadores, repetia, foi-lhe de grande ajuda para o desempenho dos seus cargos sucessivos. A mim disse certa vez: “Santo André foi meu primeiro amor”, de fato, aqui foi sua primeira diocese.
Guiou a diocese de Santo André durante vinte e um anos, até 1996, quando foi nomeado arcebispo metropolitano de Fortaleza, no Ceará. E se em Santo André tinha conhecido a pobreza urbana das favelas, em Fortaleza deparou-se com a tremenda pobreza dos camponeses que viviam com quase nada. Foi desta experiência de vida optando pelos últimos, que lhe veio a inspiração de soprar aos ouvidos do Cardeal Bergoglio apenas eleito papa: “Não te esqueça dos pobres”, como relatou Papa Francisco.
“Sois todos irmãos” era seu lema de episcopado. Para que isto se tornasse realidade empenhou sua vida. Obrigado Dom Claudio por tudo, mas sobretudo por seu testemunho de coerência e coragem.