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Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo Metropolitano de Santa Maria (RS)

A palavra Páscoa remonta ao ambiente semita, cujo significado é “passagem”. Povos antigos, de tradição agrícola, festejavam a passagem do inverno e a chegada da primavera. Na claridade da lua cheia os pastores imolavam os primeiros cordeiros, acreditando que este sacrifício asseguraria proteção contra as influências do mal. Comiam a carne numa refeição familiar que cultuava os laços de parentesco e da tribo.

O povo judeu deu um novo sentido a essa passagem. Na entrada da primavera celebravam a Páscoa fazendo memória do anjo que passou pelas portas das casas dos hebreus, marcadas pelo sangue dos cordeiros e que poupou da morte os primogênitos deles, antes da travessia do Mar Vermelho, quando foram libertados da escravidão egípcia. Esta festa é celebrada ainda hoje entre as famílias israelitas. O simbolismo das antigas culturas pastoris e agrícolas adquiriu um novo significado: as ervas amargas, que outrora eram consumidas na refeição noturna dos pastores, entre os judeus significam a lembrança do tempo difícil da escravidão. Os pães sem fermento evocam a miséria no Egito e a pressa com que os israelitas partiram, sem ter tempo de levedar a massa. É celebrada na primavera pois, no começo desta estação, Israel saiu do Egito. É uma festa noturna, porque o Êxodo se realizou em noite iluminada pela lua cheia (Dt 16, 1).

Nós, cristãos, assumimos esta festa como a passagem da paixão e morte de Jesus Cristo para a sua ressurreição e vitória eterna. Em Jesus Cristo se revela o mistério pascal da cruz e da ressurreição. A passagem que Jesus oferece à humanidade é do vazio e do absurdo para a plenitude do sentido. O mistério pascal celebra a vitória do impossível e a possibilidade do impensável. Em Jesus Cristo a humanidade recebe a salvação de Deus, o perdão dos pecados e a vida que não conhece mais o fim.

Celebrar a Páscoa é considerar a unidade inseparável entre cruz e ressurreição. O crucificado da Sexta-Feira Santa é o vitorioso ressuscitado do sábado santo. Separar a cruz da ressurreição é esvaziar o sentido da Páscoa. Se celebrássemos apenas a morte de Jesus de Nazaré, perderíamos a novidade surpreendente de Deus que é capaz de renovar todas as coisas e dar nova vida ao que já morreu. Se celebrássemos, no entanto, somente a ressurreição, esvaziaríamos o sentido das experiências de cada dia, marcadas por sombras e preocupações, angústias e tristezas, e até sonhos e desejos de um mundo melhor. A Páscoa cristã celebra a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo: rosto humano de Deus, rosto divino do ser humano.

A Páscoa nos ensina que o povo de Deus não pode deixar de sonhar, de desejar e esperar. Contra todo desespero e ilusão, é necessário seguir criando e trabalhando por um mundo melhor. Apesar dos impérios da morte, da potência do vazio, do absurdo e das propostas que favorecem uma minoria mundial, o cristão não pode deixar de profetizar em favor da vida, da dignidade humana e da preservação do cosmos.

Pode parecer estranho, mas a única maneira dos cristãos mostrarem-se realistas é aspirar ao impossível. Caminha-se neste mundo rumo ao futuro de Deus, onde estarão unidos para sempre o céu e a terra. Tudo se dirige para a mesma meta: o Senhor que ressuscita e vem, o mundo que chegará à sua plena realização em Cristo.