Julgados pelo amor
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“Com a medida com que medirdes, será medido para vós” (Lc 6,38b).

Caríssimos leitores e leitoras: no domingo passado, quando celebramos o sétimo domingo do Tempo Comum, fomos convidados à prática de um amor total e sem limites, que deve ser dedicado a todos, mesmo em relação àquelas pessoas que não nos amam. Tal convite tem em seu cerne a substituição de uma cultura de violência pela lógica de um amor divino.

Este convite para um amor perfeito é antigo. Em seu tempo, Davi teve a oportunidade de eliminar seu adversário Saul. Na primeira leitura do domingo passado (cf. 1Sm 26,2-23), ouvimos como o soldado de Davi, Abisai, diz a ele: “Deus entregou hoje em tuas mãos o teu inimigo”. E Davi responde: “Não o mates! Pois quem poderia estender a mão contra um ungido do Senhor e ficar impune?” (1Sm 26,8-9). Davi sabia que justiça e lealdade são dons divinos, por isso é que os prefere.

Assim, evidencia-se que o texto sagrado apresenta duas atitudes para lidar com aqueles que praticam o mal. A primeira é agressiva, pagar com a mesma moeda, baseada na maldade. A outra opção é recusar-se à violência, rompendo com a lógica da perversidade. Foi esta última que Davi escolheu. Ele poderia ter se vingado, mas não o fez. Teve amor ao próximo que o perseguia, ciente de que a vida de todos é sagrada, mesmo que seja a vida de um inimigo.

No Evangelho proclamado no domingo passado (cf. Lc 6,27-38), Jesus reforça o mandamento do amor recíproco aos discípulos que verdadeiramente estão abertos para escutar a vontade de Deus. A regra de ouro ensinada por Cristo, que também podemos chamar de “ética da reciprocidade”, vai muito além de não praticar o mal. Trata-se de vencer o mal com o bem, fazendo o bem até mesmo para os que praticam maldades contra todos e até contra nós. É contrariar a lógica humana, que insiste em apagar incêndios, usando gasolina. Para Deus, o importante é extinguir a chama do mal com o fogo abrasador do Espírito Santo, que nos impele à caridade.

O Salmista nos recorda que “o Senhor é bondoso e compassivo” (Sl 102[103]). E Jesus nos pede: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36). Qual é o caminho para que nós, muitas vezes tão falhos em amar nossos semelhantes, possamos obedecer a Deus nesse sentido? O caminho é a conversão das nossas mentalidades, dos nossos sentimentos e do nosso espírito.

Para sermos misericordiosos e amorosos, precisamos nos converter em pessoas inspiradas pelo Espírito do Senhor (cf. 1Cor 15,45-49), conforme ensina o apóstolo Paulo na segunda leitura do último domingo. Precisamos ser pessoas cheias de bondade. Mesmo que feitos de barro, tal qual Adão, não podemos nos deixar envenenar pelas abundantes maldades presentes no mundo. Ser discípulo de Jesus Cristo e pessoa voltada para as coisas do alto não é fácil; afinal temos nossos pés fincados na terra, nossa humanidade é sujeita ao pecado. Mas não significa algo impossível de ser atingido. O Espírito Santo nos ajuda em todas as coisas e nos impulsiona.

Neste nosso mundo agressivo, injusto e violento, Cristo pede criatividade e inteligência espiritual para não cedermos ao ódio, para combatermos a injustiça e não aceitarmos as agressões psicológicas, morais e físicas às quais muitas vezes estamos sujeitos. Por isso é tão importante o tal “fazer o bem, sem ver a quem”. Todas as oportunidades para fazer o bem não devem ser desperdiçadas, pois elas nos aperfeiçoam e fazem transparecer a autenticidade de nossa fé cristã. Caríssimos leitores e leitoras: fica muito claro que a vontade de Deus a nosso respeito é a de que não nos conformemos com o mal e que não sejamos passivos diante das injustiças; porém, não devemos combater uma injustiça cometendo outras. Devemos romper com a cadeia de brutalidades e vingança daqueles que insistem em não viver a paz.

Tudo isso é importante, porque seremos medidos com a mesma medida com a qual medimos os outros. No fim de nossa vida, entre tantas e tantas coisas que realizamos, seremos julgados pelo amor. Quem passar por esta vida amando a Deus e ao próximo, a ponto de perdoar e rezar pela conversão dos maus, receberá o amor e o perdão divinos. Aos que viverem baseados no ódio e na perseguição devemos dedicar nossas orações, para que se convertam e possam alcançar a salvação em Cristo Jesus.

E a todos abençoo.
Dom Vicente Costa
Bispo Diocesano de Jundiaí