A busca humana e desejo de Deus
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O mistério da luz que nos ilumina e sustenta

por Olga Sodré

A questão de Deus e da religião tem gerado infindáveis polêmicas. Como alternativa, apresento um filósofo recente que ultrapassa essas discussões, contribuindo para esclarecer o lado humano do problema. Sem se preocupar em apresentar argumentos em favor ou contra a existência de Deus, o filosofo francês Jean Nabert (1881-1960) procurou entender como esta questão se apresenta na experiência religiosa, focalizando os desafios de uma transformação humana movida pelo desejo de Deus. Ele o relaciona à compreensão de si e aos sentimentos e julgamentos sobre a dimensão do mal, que situa na ruptura da unidade e na visão de consciências separadas umas das outras e do princípio que funda sua unidade.
O desejo de Deus é apresentado como uma íntima aspiração inscrita na própria estrutura da consciência, que pode elevar nosso ser (‘si mesmo’) para além de todas as satisfações do eu empírico. Este processo revela uma ‘tendência ao absoluto’, que é identificada por Nabert nos atos de unidade e amor presentes em experiências religiosas.
Aprofundando tais experiências, focaliza o ato da consciência que, ao se retirar para dentro de si e esvaziar-se de qualquer conteúdo, descobre uma luz espiritual, cuja fonte desconhece. Essa luz preserva a visão de unidade na multiplicidade das consciências. No recolhimento interior, o ser entra em contato com o ‘divino’, considerado como uma qualidade da consciência humana relacionada à transfiguração espiritual.
Para ele, o ‘divino’ e a ‘tendência ao absoluto’ observados nos testemunhos das experiências religiosas não são equivalentes a Deus, que extrapola a condição humana e permanece como Mistério. Embora sem nada dizer sobre a relação com Deus, essas distinções nos evitam considerar a elevação humana como uma conquista que identifica o ser humano a Deus, negando a importância dessa relação.
As reflexões sobre o desejo de Deus na experiência religiosa traduzem o que ocorre na caminhada espiritual, em que esse desejo se manifesta. Identifico-me com sua descrição da busca para ultrapassar as contradições que dilaceram o eu, sobre os desafios que temos que enfrentar em nossa transformação ao sermos movidos por esse desejo e ao nos confrontarmos com os sentimentos e julgamentos a respeito da dimensão do mal. Avançando nessa caminhada, cheguei como Nabert à conclusão que a raiz do mal se situa na ruptura da unidade.
A questão da unidade está no núcleo dos ensinamentos de Jesus no caminho da união com Deus. Esta unidade se manifesta, em Pentecostes, como união universal dos povos e línguas pelo dom do Espírito Santo. O desejo de Deus impulsionou minha caminhada espiritual, conduzindo-me a um conhecimento e transformação radical até descobrir em meu âmago uma abertura para Deus. Sem que eu soubesse, a aspiração ao divino existia inscrita em meu coração. Nessa busca, compreendi que nenhum bem no mundo poderia me satisfazer a não ser a unidade e amor que pude reconhecer nas experiências de muitos santos. Não me contentei em ficar com a filosofia e a ciência, no umbral do Mistério. Bati com fé em sua porta que se abriu para a união com Cristo.

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