Jorge Jesus do Flamengo ao Benfica, do passado e do futuro


Há quem reafirme que não se deve voltar onde fomos felizes. Ou, no popular e menos lírico, figurinha repetida não completa álbum. Fato é que Jorge Jesus decidiu encarar o retorno ao Benfica e tem um grande desafio: superar desconfianças e comparações num cenário que dificilmente fica mais bonito no replay. Explica-se. Não é tão frequente nos clubes tradicionais e poderosos da Europa, apostar em voltas de técnicos ao comando. Menos provável ainda, é que os recontratados tenham mais sucesso do que na passagem anterior no cargo.
Jesus soma 10 títulos em seis anos no Benfica (tri Português, cinco Taças da Liga, uma Taça de Portugal e uma Supercopa do país) e a dívida dupla do bi-vice da Liga Europa.
Antes de Jesus, o Benfica repetiu 10 treinadores em 116 anos de história. Tudo bem que sete deles conseguiram ganhar título de novo no retorno, o que parece o principal objetivo do clube de Lisboa nessa recondução de Jorge Jesus. Mas só o inglês John Mortimore e o português Toni, tiveram glórias na volta. Nenhum neste século.
Nos rivais lusos, situações distintas. Segundo maior campeão nacional, o Porto reconduziu menos técnicos de volta ao cargo. Dos seis, metade conseguiu conquistas também na segunda passagem. E somente um, José Maria Pedroto, ganhou mais no retorno – na terceira tentativa, passou em branco.
Bem atrás em quantidade de títulos em sua história, o Sporting gosta mais de repetir treinadores. Foram 14. Desses, só três levantaram troféus em diferentes períodos no comando. Mais glorioso na segunda passagem, apenas Cândido de Oliveira, cujo nome batiza a Supercopa do país.
Vizinho de Portugal, a Espanha tem um exemplo atual de recondução ao cargo. Zidane está desde março de 2019 de novo no Real Madrid. Mas o francês tricampeão da Champions entre 2016 e 2018 é exceção à regra – e a recente conquista do Campeonato Espanhol 2020 ainda é pouco para cravar que a volta vai ser melhor do que antes da primeira saída. Atualmente, nenhum dos grandes da Europa tem treinador em sua segunda passagem no cargo.
No século, há somente um exemplo a se mirar na Europa de sucesso maior na volta. Contratado pela primeira vez em 1987, Jupp Heynckes foi bicampeão alemão e da supercopa do país até 1991. Interino ao fim da temporada 2009, retornou em 2011. Depois da decepção com o vice da Champions em 2012, conquistou a Tríplice Coroa em 2013, faturando Bundesliga, Copa da Alemanha e Liga dos Campeões da Europa. Substituído em seguida por Guardiola, ainda levou outro título nacional em sua quarta passagem, em 2017/18.
No calcio, só Marcelo Lippi, na Juventus, e Roberto Mancini, na Internazionale, foram reconduzidos ao comando. Ambos seguiram a regra de segunda passagem bem menos gloriosa do que a primeira.
O veterano ganhou o bi da Série A quando reapareceu na Velha Senhora entre 2001 e 2004. Mas ficou longe do tri conquistado anteriormente somado às vitórias na Champions, Intercontinental, Copa Itália, Supercopa da Europa entre 1994 e 1999. Mancini ficou sem títulos de 2014 a 2016 depois dos sete no quadriênio 2004/08 (tri Italiano, bi da Copa Itália e da Supercopa do país).
Na Terra da Rainha, até bem pouco tempo havia pouquíssima brecha para bisar técnicos nas dinastias de Alex Ferguson no Manchester United e Arsène Wenger no Arsenal. O Chelsea foi o time que mais reconduziu treinadores ao comando no século.
O português José Mourinho voltou em 2013 credenciado pelas seis conquistas entre 2004 e 2007. Mas o Inglês e a Copa da Liga que faturou na segunda passagem nem dão para comparar com o bi dessas duas competições, além de uma Copa da Inglaterra e a Supercopa do país que ganhou anteriormente e lhe confirmaram o autointitulado apelido de Special One. Coincidentemente, quem o sucedeu foi outro reconduzido ao cargo. Depois de levantar a FA Cup em 2009, o holandês Guus Hiddink saiu sem qualquer título em 2016.
Outro dos grandes que repetiu treinador nos últimos anos foi o Liverpool. Mas, de tricampeão do Inglês, bi da Copa da Inglaterra e tetra da Supercopa do país entre 1985 a 1991, o escocês Kenny Dalglish ficou apenas com a Copa da Liga de 2012 na reaparição no comando.
Sim, sonhar com uma volta gloriosa no cenário europeu é mais difícil. Mas os 13 meses no Brasil podem servir de inspiração para Jesus dar seu jeitinho e superar essa falta de costume por lá. Além da comprovada competência e os cinco títulos que ganhou no Flamengo, pode tirar da bagagem a referência de um ídolo da história rubro-negra nessa volta. O Mister é mais do que capaz de orquestrar o Benfica no mesmo tom do Violino. Sim, aquele cujo apelido virou sinônimo de afinador de times na Gávea.
Entre idas e vindas, de 1987 a 2000, Carlinhos conduziu o Flamengo a mais títulos nas suas três principais das sete passagens. Com times bem menos cotados do que os adversários da época e o time rubro-negro de 2019. Da Copa União de 1987, passando pelo Carioca de 91 e Campeonato Brasileiro de 1992, finalizando com a Copa Mercosul de 1999 e o bi do Estadual de 2000 foi pródigo em levantar troféus e revelar talentos. Conquistas e estilo que garantem o posto de MAIOR técnico da história do futebol do Flamengo. Pelo menos até o Mister voltar à Gávea para contrariar a regra e ser ainda mais feliz do que em 2019.




