A jaculatória a São Benedito

A festa a São Benedito, em Portugal e no Brasil, tomou rumos populares dada a intensa presença de africanos nessas regiões. Lembro-me de visitar uma igreja da Ordem Franciscana, em Guimarães, Norte daquele país e, diante da imagem do santo negro, dizer em voz alta uma trovinha que ouvi das minhas tias: “São Benedito, não come e não bebe e está sempre bonito!” Fui interpelado pelo zelador da igreja que também a conhecia…
A transposição de elementos culturais pelos séculos, através do Atlântico, também ganhou ares de invenção. Se em algumas velhas cidades celebra-se o santo cozinheiro em 4 de abril, data da sua morte, ou 5 de outubro, sua festa litúrgica, em Itu, São Benedito é festejado a 6 de janeiro. Uma explicação seria a confusão com um dos três reis magos, Baltazar, também negro. Mas não há documentação que sustente a tese.
Importante trabalho do Prof. Rafael Barbi, intitulado “Festejos, liberdade e fé”, publicado em 2021 pela editora Viseu, revela as manobras da elite ituana para tomar dos negros o controle da Irmandade de São Benedito, no século XIX. A festa e o grupo perderam aspectos populares da cultura africana como jongos e moçambiques, danças populares executadas à porta do velho templo de São Luís de Tolosa, demolido há mais de cem anos; talvez localizado no Largo São Francisco..
Na década de 1870 as diretorias da Irmandade já eram formadas por brancos que investiam recursos para a sua celebração, de tal forma que encomendaram ao compositor Tristão Mariano da Costa (1846 – 1908) a música própria para se cantar no tríduo solene, em 3, 4 e 5 de janeiro. Ele compôs uma das mais belas melodias devocionais da história da música em Itu, a Jaculatória a São Benedito, cuja música ainda era cantada pelo coro paroquial, na década de 1990, a duas vozes, como foi escrita.
A letra, de autoria desconhecida, neste momento, traz os versos: “É pobre, é grande mas humilde, brilha quais astros de luz, seu nome é bem aventurado e traz em seus braços Jesus. Cantai homens do mundo, vinde adorar a Jesus, Benedito puro e santo, a Ele vos guia e vos conduz. Hosana seja o vosso grito, glória, glória sem fim e Jesus vos responderá, vinde, vinde filhos a mim.”
O Museu da Música – Itu guarda as partituras originais do autor e as que foram reproduzidas por diversos copistas, entre eles o meu avô, a primeira que conheci, na coleção do Coro do Bom Jesus. O antigo “Coro de São Benedito”, conduzido pelas irmãs Gandra, também tinha cópias, que recebemos no museu, em 2022, junto a outras preciosidades doadas pelos seus descendentes. Em Salto houve equívoco a esse respeito pois a mesma música, copiada pelo compositor Zequinha Marques foi atribuída como composição dele, inclusive pela filha, Sra. Aurora Marques.
Não sei se ainda se canta a música do Tristão Mariano na festa que ocorre em janeiro, mas seria importante recuperá-la, seja pela beleza, seja pelo significado enquanto patrimônio cultural.