Nossa Senhora do Desterro  e o Discernimento Vocacional
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No próximo dia 15 de agosto, nossa Diocese de Jundiaí celebra a sua padroeira, Nossa Senhora do Desterro. A Virgem Maria, com seu exemplo de fidelidade ao chamado divino, soube responder à sua vocação com coragem e fé. Ela estava atenta à voz de Deus e, por isso, soube atravessar os desertos da vida para permanecer fiel ao seu “sim”. Caminhar com Maria é o modo mais seguro de fortalecer-se nos propósitos da vocação específica que temos. Assim, nesse mês dedicado também ao discernimento vocacional de cada cristão, somos chamados a aprender com nossa Mãe a como permitirmos que o Senhor possa esculpir em nós uma humanidade fiel ao projeto de Jesus. Como artistas da nossa própria jornada e imitando Nossa Senhora do Desterro, somos chamados a compreender nossa vocação a partir de um “olhar para si”, um “olhar para a realidade” e um “olhar para o Evangelho de Cristo”.
O discernimento vocacional é a arte de transformar uma pedra bruta numa escultura. Para isso, são necessários vários elementos: a inspiração, a matéria prima, a técnica, a paciência, a perseverança e, finalmente, o tempo. Não é um trabalho simples. Uma obra de arte é sempre única, assim como uma vocação. Jamais pode ser “produzida” em série, como numa linha de montagem. Por isso, a vocação de Nossa Senhora foi singular. Aquela que é “bendita entre todas as mulheres” era diferente por sua fidelidade, por sua entrega, por seu sim. Mas acima de tudo, porque soube se abrir ao projeto divino em sua história. Soube dizer sim a uma longa jornada de discernimento e acolhida na qual a sua humanidade mergulharia no infinito divino. O percurso que a Virgem do Desterro percorreu, de Nazaré ao Egito, é o percurso do discernimento vocacional. Ali, na abertura confiante às mãos do Senhor, ela soube oferecer sua vida como a matéria prima perfeita, através do seu: “Faça-se!” E assim, como do primeiro facho de luz, Deus fez a criação existir, do “Faça-se” de Maria a obra mais bela surgiu: a encarnação do Verbo, o Filho de Deus.
Assim como Maria colocou-se a pensar nas palavras do Anjo, a vocação específica de cada um de nós nos coloca diante de uma necessidade de resposta. Toda vocação é fruto de uma escolha livre e responsável. Olhar para si e para os anseios mais profundos do coração! É preciso discernimento a fim de perscrutar as moções do Espírito, examinando atentamente as reais motivações para as escolhas que norteiam o nosso desejo de colocar os pés na estrada. Isso requer um certo grau de maturidade, que demanda autoconhecimento. “A fé supõe a natureza”, dizia Santo Tomás de Aquino, isto é, a graça de uma vocação age no coração humano com suas dúvidas e fragilidades e o conduz à perfeição. O “olhar para si” pressupõe o “olhar para o outro”, na perspectiva da antropologia teológica que compreende o ser humano como pessoa, ser-em-relação e não meramente como indivíduo. Lembremo-nos que a Virgem Maria, imediatamente após o “sim” foi sensível às necessidades de sua prima Isabel e subiu as montanhas para auxiliá-la. Por isso, a vocação nunca é um caminho solitário. Todo discernimento se faz ao lado de quem percorre a estrada conosco. Na obra de arte que é a nossa vocação, devemos permitir que o olhar do outro também nos molde, nos arranque das falsas certezas do nosso eu e nos impulsione adiante.
Na vida da Senhora do Desterro, a vocação também foi configurada por um olhar atento para a realidade do mundo. A sensibilidade para o aqui e o agora é imprescindível ao itinerário de todo cristão. Indo para o Egito, Maria visita o lugar onde seu povo havia sido escravizado, onde a opressão sufocava a esperança. Mais do que isso, a Virgem Maria percorreu os passos da libertação do povo de Deus, conduzindo o Messias em seu colo, para que a Esperança tocasse o solo da história, maculado pela maldade dos homens. O verdadeiro discernimento vocacional deve nos ensinar a ler os sinais dos tempos com um olhar teológico. “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo… Ouvi o clamor dos seus opressores… por isso desci a fim de libertá-lo” (Ex 3,7-8). O olhar teológico jamais se rende ao fatalismo. É um olhar clarividente, que brota de um coração pleno do Espírito que “que faz novas todas as coisas” (Ap 21,5). É o olhar criativo e ousado do artista que recria a realidade com sua inspiração somada aos seus sonhos e talentos. É o olhar de Jesus, nosso Divino Salvador, que anseia por espalhar as sementes do seu Reino de amor, de justiça e paz em todos os cantos do mundo. “O Reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17,21). com seu “sim” de Maria não teve medo de encarar os desafios que viriam, não relutou diante da certeza da espada que lhe transpassaria o peito.
Na certeza de que seus passos deveriam estar ao lado de seu Filho, a Virgem do Desterro nos ensina que toda vocação nunca pode desviar o olhar do Cristo. É no seu Evangelho que está o modelo para o chamado, critério para todo discernimento. Por isso, Nossa Senhora, em sua caminhada, tornou-se mestra porque foi verdadeira discípula. Soube apontar o tempo todo para Jesus como o centro, o ponto final da nossa longa jornada. Ela sabia que a obra de arte de nossa humanidade só se realizaria n´Ele e por Ele. Toda vocação se realiza quando nos tornamos filhos no Filho. O crescimento no chamado coincide com o crescimento na liberdade. Livres para servir! Eis a proposta do discipulado. O início do discernimento nunca pode advir de uma teoria, de uma filosofia ou de uma ideologia, por melhor que sejam. O início do chamado sempre advém do próprio Jesus. É ele o autor, o artista, o escultor de nossa vocação. Por isso, não há vocação autêntica longe de uma intimidade maior com o Evangelho. Maria guardava essa certeza em seu coração e, por isso, soube ser a discípula autêntica, permanecendo com os doze, mesmo após a paixão. A sabedoria da longa jornada da Virgem do Desterro até o Egito a prepararia para os desafios que a caminhada com os discípulos traria. E a cada passo deles nesse percurso, a Mãe estava lá, silente e orante, intercedendo pela vocação de cada um. Configurando-os a seu Filho, razão de sentido de toda vocação.
Nesse mês de agosto, convido a todos os nossos amados diocesanos a um discernimento vocacional, seguindo os passos da Virgem do Desterro. Cada fiel batizado, em sua condição específica, leigos, religiosos, ou ministros ordenados, um dia se sentiram escolhidos pelo Mestre. E foram convidados a “andar com ele”. Desejo que todos coloquem os pés nessa longa travessia em direção ao pleno cumprimento de nosso chamado. Convido cada fiel batizado a permitir-se uma revisão do próprio olhar. E a se perguntarem se a direção para a qual seguimos é permeada verdadeiramente pelo Olhar do próprio Cristo. Trata-se, enfim, de permitir que o próprio Espírito faça emergir da pedra bruta de nossa natureza a mais bela obra de arte, configurada ao próprio Senhor. Não estamos sozinhos nessa travessia. A Senhora do Desterro nos carrega em seu colo!
Um abençoado mês vocacional a todos!

Dom Arnaldo
Carvalheiro Neto
Bispo Diocesano de Jundiaí