No leprosário em São Paulo (2)
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Em fins de 1803, sob administração da Santa Casa, funda-se em São Paulo um recolhimento para leprosos. Expulsos da sociedade, veem os pobres párias raiar um novo dia risonho de esperanças, quando as Irmãs de São José, compenetradas do bem que a sua presença traria ao hospital, aceitam a proposta de dirigi-lo. Nesse instante, mais um compromisso se firma em terras do Piratininga, e mais um marco se planta para a eternidade de uma obra. Um fiat generoso e completo se faz ouvir, brotado de lábios que ao Rei consagram todas as suas obras…
Daquele dia em diante, os doentes têm um bando de anjos a adejar as asas por sobre os seus sofrimentos, porque têm alguém que lhes ensina que o homem não foi feito para esta vida, que lhes incute o valor das provações passaporte seguro para o céu, se souberem ser aproveitados, que lhes fecham os olhos, quando a névoa da morte anunciar o fim da peregrinação dolorosa.
As Irmãs amam essa pobre gente e fazem todo o possível para lhes tornar menos amarga a existência. Não podendo obter tudo de uma vez, procuram primeiro cercá-los de maior conforto material. Só então, depois de ter melhorado seu habitat, é que voltam seus esforços para reformá-los moralmente. Ganham-lhes a confiança, antes de se envolver em seus problemas espirituais. Procuram ocupar seu corpo e seu pensamento com pequenos trabalhos, afastando assim o pior inimigo do leproso – o ócio. Envidam todos os meios para mantê-los alegres e despreocupados, esquecidos de sua tremente desdita. Organizam conjuntos de cantores, fanfarras, atores teatrais etc., tornando-os assim dóceis e dispostos a receber seus, conselhos e admoestações. Ensinam-lhes as práticas religiosas, fazendo-os tomar parte ativa nos preparativos dos festejos eclesiásticos, mostrando-lhes as belezas da liturgia católica, levando-os enfim a viver cristã e resignadamente, envoltos no bálsamo reconfortante da fé.
Cheias de coragem, estas santas criaturas, dão-se ao sublime apostolado da caridade e verdadeiros anjos custódios dos morféticos, elas se dizem felizes, ao lado de serem deformados, de odor nauseabundo. Acompanham-nos quando o leprosário se transfere para Guapira, uma verdadeira vila jardim que pode oferecer abrigo tranquilo e confortante a mil e duzentos doentes, pequeno paraíso, que lhes dá a ilusão de não serem mais objeto de horror e repulsão e sim, seres com direito à vida novamente.
No Patrocínio alguém que não pode acompanhá-las em seu ministério segue com olhares e ternura de mãe extremosa o calvário de suas filhas, enterradas vivas no fundo de um leprosário, expostas a todos os perigos do contágio, e com suas orações, suplica ao Médico Divino que as preserve e lhes incuta sempre novas forças para poderem levar até o fim a cruz que, um dia gostosamente puseram aos ombros, lembradas de que quais novos Cireneus, tornariam menos áspero o caminho do calvário a milhares de novos Cristos, redivivos na chaga informe do mísero leproso…
Verônica a enxugar o suor das filhas heroicas, Madre Teodora recolhe em seu lenço as gotas de amargor por elas experimentando, e oferece a Jesus pedras preciosas de corações amantes, para serem engastados no diadema de glória da Congregação de São José.

29 de junho de 1957

Maria Cecília Bispo Brunetti
Acervo – Museu da Música – Itu