A Beleza de Cristo salvará o mundo
O tema “A beleza salvará o mundo” é uma frase emblemática de “O Idiota”, obra-prima de Fiódor Dostoiévski. No livro, Dostoiévski apresenta a ideia de que a beleza possui um poder redentor intrínseco. Através do protagonista, o Príncipe Míchkin, que muitas vezes é considerado um “idiota” por sua inocência e bondade, Dostoiévski explora a beleza não apenas em sua forma estética, mas como uma manifestação do bem. Míchkin, com sua perspectiva única, acredita que a beleza em sua essência mais pura tem o poder de elevar o espírito humano e aproximar as pessoas da bondade, sugerindo que a verdadeira beleza é interligada com a moralidade e pode, de fato, salvar o mundo.
Santo Tomás de Aquino abordou a beleza como um dos transcendentais, aspectos da realidade que transcendem as categorias específicas do ser e são coextensivos com ele. Para o Aquinate, a beleza está intrinsecamente relacionada à verdade e à bondade, ressoando com a ideia de que algo é belo quando é conhecido em sua totalidade. Ele identifica três critérios essenciais para a beleza: integridade (a plenitude do ser), proporção (a harmonia das partes) e claridade (a luminosidade ou brilho que torna um objeto atraente aos olhos). Assim, para Aquino, a experiência da beleza é uma antecipação da visão beatífica.
Já Hans Urs von Balthasar, um dos mais proeminentes teólogos do século XX, colocou a beleza no coração de sua teologia, argumentando que a experiência estética é um caminho vital para o encontro com o Divino. Em sua obra, “A Glória de Deus”, ele propõe uma “teologia estética” que vê a revelação de Deus no mundo como fundamentalmente bela, e, por mais paradoxal que seja, ele vê a cruz de Cristo como o ápice da beleza divina – uma beleza que não é isenta de sofrimento, mas que transfigura o sofrimento em redenção. Para Balthasar, a kenosis (esvaziamento, aniquilamento; Fl 2,5-11) de Cristo não é apenas um ato de humildade e obediência, mas também um ato estético de autoexpressão divina, que revela a beleza de Deus de maneira única e incomparável. Esta concepção coloca a cruz no centro da sua teologia estética, argumentando que é na aparente derrota e abjeção da cruz que a verdadeira glória e beleza de Deus são mais plenamente reveladas. Mais ainda: ele sugere que a beleza tem o poder de capturar o coração e a mente, conduzindo-nos a uma experiência mais profunda do mistério de Deus. A beleza, portanto, não é apenas estética, mas uma maneira de entender e se aproximar do divino.
Essas perspectivas, embora distintas em suas nuances, convergem na ideia de que a beleza é mais do que uma questão de estética; é uma via para o conhecimento, a moralidade e o divino. Elas nos convidam a reconsiderar a beleza como uma força vital que pode, de fato, salvar o mundo, não apenas ao inspirar bondade e verdade, mas ao nos abrir para a experiência do transcendente.
O episódio do Evangelho em que Jesus chama Simão Pedro e seu irmão André para segui-lo, conforme narrado em Mateus 4,18-20, revela uma dimensão profunda da interação humana com o divino, particularmente através da beleza. A decisão imediata dos discípulos de deixar tudo para trás e seguir Cristo pode ser compreendida através das lentes da concepção de beleza, argumentando que foram impactados pela beleza de Cristo, uma beleza que transcende a estética tradicional e se enraíza no bem e na verdade. Ora, ninguém largaria a sua vida só por um convite, se não fosse impactado fortemente por algo.
A decisão dos discípulos de seguir Jesus imediatamente sugere que eles foram capturados por uma beleza que vai além da aparência; eles foram atraídos pela perfeição, harmonia e claridade da pessoa de Jesus (S. Tomás). Essa beleza divina, refletida em suas palavras e ações, ofereceu aos discípulos uma visão do bem último e verdadeiro, movendo-os internamente a abandonar tudo.
Assim, a beleza de Cristo é uma teofania (vide as três montanhas: Tabor, Calvário e Altar), uma revelação de Deus, que convida e atrai o observador a uma resposta. Esta beleza não é apenas para ser observada, mas vivenciada; é uma beleza que se comunica e que busca uma resposta de amor e seguimento (Balthasar). A decisão de deixar tudo para seguir Jesus revela que os discípulos foram capturados por uma visão da beleza que prometia mais do que a vida que conheciam. Eles viram em Cristo a promessa de uma nova vida, fundamentada na verdade e no bem, e foram movidos por essa visão a abandonar suas redes e seguir o mestre. Os discípulos deixaram tudo para trás, não por causa de uma decisão pragmática, mas porque foram impactados pela beleza incomparável de Cristo, uma beleza que promete a redenção e a plenitude da vida. Uma beleza que salva o mundo.
Para terminar, e sem mais espaço para desenvolver, cada leitor imagine então o impacto da Beleza da Ressurreição de Cristo ou da visão beatífica.