Frei Vital, capelão do Patrocínio (2)
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Absorto em profundas meditações, permanece Dom Vital horas e horas aos pés do altar. Madre Teodora, que adivinha em seu capelão alguma coisa de extraordinário, interpela-o um dia, ao vê-lo sair do santuário com o rosto congestionado e coberto de lágrimas. Finge ignorar o que se passa em seu íntimo e num subterfúgio delicado, indaga de sua saúde.
Frei Vital não resiste ao desejo de confiar a alguém o que o atormenta. Reconhece naquela alma tão carinhosa a confidente com quem se poderá abrir, o coração amigo e leal, que compreenderá os seus temores e saberá compartilhá-los, na oferenda muda do duplo sacrifício: perder o capelão tão dedicado e entregá-lo às mãos de seus futuros algozes…
Revela-lhe o capuchinho a visão que tivera na capela, a previsão de seus próximos martírios, o pão de sua imolação, envolto na bula que, pouco depois, o faria bispo de Olinda… O báculo, que o tornaria príncipe da Igreja, é o cajado de que Deus se servirá para levá-lo ao Calvário.
O que se terá passado então entre essas duas almas irmãs no sofrimento, gigantes na adversidade, só os céus conhecerão. O certo é que também ela conheceu o ódio votado pelos maçons à sua tarefa sobre-humana. Não lhe faltou sequer o amargor da perseguição. Teria ela pedido ao Divino Mestre que transferisse para si o sofrimento reservado ao capelão?
Não lhe poupam vexames os homens da seita secreta. Sabedor do que os monarcas brasileiros visitariam Itu, certo cidadão influente adere à comitiva, antegozando o embaraço da Superiora do Patrocínio, que tivera a ousadia de levar seu apoio a Dom Vital, preso por ordem do Imperador, graças às maquinações dos fomentadores da Questão Religiosa em nossa Pátria.
Madre Teodora, impassível, prepara uma recepção brilhantíssima aos príncipes. Não a amedronta o risco de desfeita. Confia, e sua confiança não é desmentida.
Dom Pedro manifesta desejo de conhecer as classes e interrogar as alunas. Madre Teodora baixa reverentemente os olhos e responde: “Às vossas ordens, Majestade, é uma honra excessiva.”
Os reis senhores, tão fidalgamente recepcionados, confessam-se encantados. Que despeito para o acompanhante maldoso! “Oh, que mulher! Ela governa o próprio imperador!” foi sua exclamação incontida.
É que debaixo daquele hábito tão odiado oculta-se uma alma cheia do ardor de Cristo, e onde palpita o Hóspede Divino há sempre uma centelha de amor pelo próximo, seja ele ofensor, seja ele algoz…
Madre Teodora, nem por isso, se esquece de seu capelão e das torturas que lhe dá o governo de Sua Majestade. Numa de suas viagens ao Rio, vai à prisão levar-lhe o conforto de sua visita amiga. E ao despedir-se do intrépido Defensor da Fé, suas almas marcam um novo encontro, mas desta vez na pátria dos bem-aventurados, onde o ódio dos ímpios e os ardis dos maus não conseguem fazer valer suas prerrogativas!
E a maçonaria impotente, para confusão e desespero de seus sequazes, vê erguerem-se na cidade abençoada por esses dois heróis, novos templos do Senhor, onde todas as manhãs, o Cristo vivo desfaz o negror de suas doutrinas perversas.
Pairam sobre os céus ituanos, numa aura de luz, esses dois vultos gigantescos, que aqui viveram a copiar-se reciprocamente o amor à cruz e o sonho de perfeição e, que nesta hora de tão tormentosos prognósticos, saberão desviar de nossa grei o furor do averno, rebatendo suas ciladas.

27 de abril de 1957

Maria Cecília Bispo Brunetti
Acervo – Museu da Música – Itu