“No rosto dos pobres, o olhar do Menino que vem”
Amados irmãos e irmãs, no dia 19 de novembro de 2023, 33º Domingo do Tempo Comum, participamos do 7º Dia Mundial dos Pobres. O Papa Francisco, inspirado pelo Espírito Santo, convida toda Igreja a aproximar-se do rosto sofredor de Cristo presente nas pessoas empobrecidas e a jamais desviarmos o nosso olhar delas. Trata-se de um convite oportuno que nos prepara para o encerramento do ano litúrgico, a ser vivido com intensidade na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Além disso, abre para nós o horizonte do belíssimo tempo do Advento, onde somos chamados a revestir as nossas almas da esperança pelo Reino definitivo que está para chegar. O Rei está às portas. Chegará no Natal através de uma criança indefesa na manjedoura, mas chegará triunfante uma segunda vez, para nos julgar no amor. Nesse sentido, aqueles que se encontram às margens da lógica consumista e descartável do natal das vitrines, em sua pobreza, nos questionam sobre o sentido que damos ao nascimento do Menino Jesus.
Na sua mensagem para o Dia Mundial dos Pobres deste ano, o Papa nos recorda que “os pobres são pessoas, têm rosto, uma história, coração e alma. São irmãos e irmãs com os seus valores e defeitos, como todos, e é importante estabelecer uma relação pessoal com cada um deles”. Essa sempre foi a perspectiva cristã para com os empobrecidos: não os reduzir a meros objetos de uma reflexão teórica ou ideológica, muito menos como elementos descartáveis de um sistema que inclui quem pode pagar e exclui quem não pode. O pobre, para nós, cristãos, é Jesus! Em Mateus 25, na explicação que Jesus faz sobre o juízo final, Ele não diz: “Toda vez que vocês viram os pobres, com fome, sede, desabrigados ou estrangeiros…”. Ele diz: “Toda vez que ‘Me’ vistes com fome, sede, desabrigado, nu, estrangeiro…”. Por isso, toda ação da Igreja em favor dos desfavorecidos passa por um encontro. O encontro com um olhar. O tema do Dia Mundial dos Pobres deste ano é: “Nunca afastes de algum pobre o teu olhar” (Tb 4,7). Quando o pobre vira apenas um conceito sociológico, ou um obstáculo para uma falsa ideia de desenvolvimento, estamos à beira do fracasso de toda uma civilização. O Reino de Deus é o oposto dessa lógica perniciosa de redução da vida a conceitos. Urge uma conversão do nosso olhar. O Reino de Deus é o oposto da miséria. O Reino de Deus é banquete, é abundância, é a mesa ampla da qual todos devem fazer parte e não apenas os que podem pagar por ela. Ver o Rosto de Cristo nos pobres é o primeiro passo para uma vivência verdadeiramente evangélica da nossa fé.
Todavia, é preciso ir além, é preciso identificar e procurar combater as causas da pobreza. A caridade também deve estar acompanhada da justiça. Há várias formas de começarmos uma reflexão sobre aquilo que causa as situações de empobrecimento à nossa volta. O Papa cita algumas delas: “o tratamento desumano reservado a muitos trabalhadores e trabalhadoras; a remuneração não equivalente ao trabalho realizado; o flagelo da precariedade; as demasiadas vítimas de acidentes, devidos muitas vezes à mentalidade que privilegia o lucro imediato em detrimento da segurança”. Acrescento ainda o aumento da pobreza gerado pelo colapso climático, que gera secas terríveis em algumas regiões e tempestades cada vez mais destruidoras em outras. Procurar caminhos para uma valorização maior da pessoa humana, a ser colocada acima das expectativas de lucros individuais e em plena comunhão com a vida do planeta em toda sua amplitude é um passo importante para reduzirmos as condições geradoras de pobreza em nosso meio.
Nesse sentido, convido os fiéis de nossa diocese, nesse tempo de Advento que se aproxima, a nunca reduzirem suas práticas religiosas a ritos fechados em si mesmos, mas que saibam percorrer as periferias existenciais à nossa volta para verificar se de fato todos estão participando do banquete da vida. E se não estão, por que ainda não estão? Dedicar tempo ao encontro com os empobrecidos passa pelo empenho em fortalecer iniciativas já existentes e que há muito tempo oferecem caminhos de inclusão para nossos irmãos e irmãs. Um bom compromisso para o tempo do Advento seria conhecê-las de perto. Destaco com alegria duas entre tantas que sabemos existir. Primeiro, o trabalho cheio de esperança da Cáritas. Trata-se de um organismo vivo e atuante na Igreja no Brasil e presente em nossa diocese, com o intuito fundamental de prestar socorro às necessidades dos mais pobres. Sua vitalidade também depende de nosso apoio. Recordo ainda o valor imensurável das ações realizadas pela Pastoral da Criança, especialmente às famílias de baixa renda e o acompanhamento de crianças desde a gestação até a o fim da primeira infância. Conhecer essas duas missões da Igreja, tomadas como exemplos, já é um grande passo no encontro do Rosto de Cristo presente nos empobrecidos.
O Dia Mundial dos Pobres antecede a Solenidade de Cristo Rei. Isso nos inspira a compreender que o reinado pleno de Jesus em nosso mundo passa pelo empenho pessoal, comunitário e social de eliminação da miséria, em especial da fome, em nosso meio. O dia do juízo será o dia do nosso encontro definitivo com o amor. E será a partir do amor que dispensamos aos pobres que seremos julgados. Por isso, não se pode perder de vista a Esperança. Quando aprendemos a trabalhar “com” os pobres e não apenas “para” eles, descobrimos uma força vital de transformação presente em seus corações. Vislumbramos um pedacinho da eternidade na alegria e entusiasmo daqueles que se dedicam a tomar nas mãos a própria história e a depositá-las no sentido salvífico que a redenção de Cristo opera. Vemos Deus agindo na vida dos pobres quando os descobrimos para além de meros objetos, ou um mero estamento social.
Por fim, gostaria de relembrar que estamos às portas do Advento. Tempo propício para resgatarmos em nós a esperança de um novo mundo possível, que começa aqui e se realiza plenamente nos céus. Não o mundo de plástico das vitrines que, piscando sem cessar, tentarão atrair os olhares para as mesas do consumismo. Mas o mundo da travessia até Belém, onde mais uma vez um Menino nascerá, em meio à pobreza, para apontar um novo Reino. Reino onde todos poderão cear, olhando-se nos olhos não pelo filtro da indiferença, mas com a certeza do milagre. Milagre feito de milhares de hoje, irmanados na esperança de que um amanhã diferente é possível.
Convido a vocês, queridos irmãos e irmãs, a encontrar no rosto dos pobres, o olhar do Menino que vem!