(continuação do diálogo entre Madre Teodora e a superiora)

Silêncio profundo entre ambas, só cortado quando nova coincidência indica o dedo de Deus trabalhando há longo tempo… A irmã que lhe servirá de companheira de viagem é a mesma que há quinze anos, vigiando o recreio das meninas, dissera à pequena Luiza Josefina: “Aqui há muita gente para trabalhar para Nosso Senhor. Eu gostaria tanto de poder ir para esses países distantes, onde as crianças não aprendem a amar a Deus.”

-“Eu também quero ir. Espere-me; partiremos juntas.”

Aquele mesmo que, um dia, inspirara à garota essas proféticas palavras, une-se agora no heroico sacrifício em busca do desconhecido…

O “Petrópolis” é o navio que transportará as valentes missionárias. Logo no início da travessia surgem complicações e incidentes, como que a prenunciar catástrofes e insucessos. Em cinquenta dias de viagem, treze tempestades põem em perigo a embarcação. Nada, porém, lhes tira o ânimo. Confiam cegamente n’Aquele, que é o Senhor da vida e da morte, dos ventos e das tempestades.

Após longa e acidentada viagem, ei-las finalmente na terra dos seus sonhos de missionárias. Entregue totalmente à Providência divina, no fiat tão generosamente pronunciado em Chambéry, mal sabe Madre Teodora que espinhos lhe reserva o Divino Esposo, ao chegar ao seu campo de ação!

Dom Antonio Joaquim de Melo, ao recebê-la, perturba-se, cerra a fisionomia, exclamando: “Mas…é uma criança! Que faremos com uma criança?!”

Que punhalada para o seu coração tão inflamado de amor pela nova obra! Não quer, no entanto, desgostar o Bispo, e humilde, replica: “Não se aborreça por minha causa. Qualquer cargo, mesmo o último, exercerei de boa vontade.”

Superiora nomeada, mas não empossada, cabe-lhe obedecer a Irmã Maria Justina, a quem o Prelado confirma no posto, à espera de que Chambéry reconsidere seu ato.

Provas, sacrifícios, humilhações, nada é poupado a Madre Teodora. Ela, porém, é aquela que confia no Senhor, e qual leão indomável, tudo vence galhardamente, porque sabe que não há Tabor sem calvário.

Desconhece Irmã Maria Justina que quatro meses de martírio preparam a humilhada de hoje para a exaltação de amanhã. Ensina-lhe, sem querer, a meta da vitória, o início dos grandes triunfos… Dom Antonio reconhece o engano em que laborou. O ostracismo a que relegaram a sua pessoa pôs à mostra sua virtude sólida, sua sensatez e simplicidade, seus méritos para o alto cargo que na França confiou a superiora, inspirada no Espírito Santo.

O grande bispo ituano tem assim oportunidade de analisar melhor a alma dileta, que iria ser a pedra fundamental da obra por ele imaginada. Retrata-se e passa o superiorato a quem tudo soube suportar, na certeza de que, “pela renúncia e pela conformidade aos desígnios sagrados, estava alicerçando o maravilhoso templo, que se ufana de ter fornecido à pátria as sentinelas de honra e da moral.”

Decorrido um século de seu sacrifício imenso, do alto do céu contempla embevecida e esplêndida floração da semente pequenina, um dia brotada de seu coração generoso e plantada com tanto amor na alma de suas filhas queridas – as Mestras e alunas do Patrocínio de seus sonhos… presente rico e valioso por ela feito à gente brasileira…

16 de março de 1957

 Maria Cecília Bispo Brunetti

Acervo – Museu da Música – Itu