Compartilhe

Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

Vivemos num tempo em que nem sempre se consegue exercer a escuta. Muitos falam, mas nem todos escutam. Pela escuta assídua o ser humano entende que a fé nasce da escuta (Rm 10,17). Em Israel, o mandamento por excelência é “Shemá Israel” (Dt 6,4), “Escuta Israel!” O profeta Jeremias testemunha que Deus exige mais escuta do que sacrifícios: “Em verdade, eu não falei nem dei ordens aos vossos pais sobre a oferta e sobre o sacrifício, quando os fiz sair do país do Egito. Mas foi isto que lhes ordenei: ‘Escutai a minha voz!’” (Jr 7,22-23). “Escutar é melhor que os sacrifícios” (1 Sm 15,22).

A escuta é a primeira operação para entrar em comunhão com Deus. Ele fala, e o ser humano escuta, e se obedece (ob-audire) escuta e pratica, então se torna crente. Quem escuta a Palavra de Deus e a pratica, a realiza. Para Deus, no princípio estava a Palavra. (Jo 1,1) Para o ser humano, no princípio está a escuta.

Não existe outro modo de conhecer a Deus que não seja pela escuta. Não podemos procurar Deus, indagar a respeito dele, a não ser que ele mesmo erga o véu que o encobre e se revele e nos fale. O pregador da Palavra é, antes de tudo, ouvinte diário, alguém que deixa Deus atingi-lo, abre-lhe o coração e permite ser totalmente contemplado pela Palavra.

Todo educador na fé precisa preparar-se para acolher a Palavra e também para comunicá-la. Seria muito triste se se preparasse apenas para transmiti-la sem perceber que a Palavra anunciada é também para a conversão de quem a anuncia. Se alguém comunica a Palavra pensando somente nos outros, certamente, estará profanando a Palavra, porque a torna mero instrumento de pregação, de persuasão e eloquência.

É somente numa escuta comunitária que é possível compreender certas passagens da Escritura, como bem nos recorda São Gregório Magno: “Muitas coisas na Sagrada Escritura, que a sós não consegui compreender, eu as entendi colocando-me frente a frente com os meus irmãos. […]. Graças a vocês aprendo o que lhes ensino. De fato, com vocês eu escuto o que lhes digo” (GREGÓRIO MAGNO. Homilias sobre Ezequiel, II, 2,1).

Trata-se de extrair das Escrituras a Palavra de Deus nelas contida. Palavra (dabar) e Espírito (ruah) nunca agem separados, pois são correlativos entre si. É na forma do Paráclito que a Palavra de Deus surge e ressoa das páginas da Escritura por obra do pregador e pode atingir o coração de quem crê. Essa realidade remonta a Pentecostes: quando o Espírito desce sobre os apóstolos, esses ficam capacitados a falar e a comunicar o Espírito aos ouvintes.

Todo pregador deve se espelhar em João Batista e ser uma seta, um sinal e nunca pregar a si mesmo. Não seduz para si os olhares. “Não pregamos a nós mesmos, e sim o Cristo Jesus, o Senhor” (2 Cor 4,5). Seria frustrante se um alguém atraísse mais para si do que para Cristo.

Portanto, olhos fixos em Jesus, ouvidos atentos à Palavra, coração dócil ao Espírito e boca de profeta que anuncia o amor do Pai. Isso implica anunciar a Boa-Nova e não ser profeta do mau-agouro. Nem mesmo a denúncia do profetismo pode causar mais frustração do que esperança.

A pregação deve suscitar esperança, apontar para o Reino que não terá fim. Graças a pouca esperança suscitada em muitas pregações, conhecem-se comunidades deprimidas e cansadas. Pecamos por falta de esperança. Recuperemos nossa esperança como Abraão que esperou contra toda esperança (Rm 4,18). Quanto mais se comunica aos outros o Evangelho, mais se mergulha na profundidade da mensagem que gera vida nova para quem escuta.