Uma confissão: gosto muito das três quedas de Jesus
Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas (TO)
Perdoe-me, Jesus, pela minha irreverência, ironia ou ignorância, mas confesso que gosto muito quando, na via-sacra, me deparo com as suas três quedas. Estas suas três quedas não pertencem aos evangelhos escritos. Nem tudo o que Senhor fez, disse ou ensinou estão escritos nos livros do seu Evangelho. João, seu discípulo amado, é ciente disso e nos deixa este recado (Jo 20,30-31; 21,24-25). No entanto, elas foram tão impactantes que ficaram gravadas no imaginário popular e na memória afetiva e agradecida do evangelho vivo da tradição oral dos primeiros cristãos. Eles as repassaram a nós para nos inspirar e para iluminar as nossas próprias quedas, certamente, bem mais do que três. O profeta Isaías, o quase “evangelista” do Antigo Testamento, descreve, quase que literalmente, estas suas quedas (Is 53,4-6).
Confesso que gosto muito das suas quedas porque elas me ensinam, mais do que se eu estivesse no banco de uma universidade. Elas são escolas de vida doada. Elas me fazem pensar e rezar. Elas me comovem, me fascinam, me encantam e me consomem. Elas me deixam encantado e apaixonado. “Apaixonar” vem de paixão. O amor de sua paixão é o amor do meu encantamento por ela. Em minhas palavras, elas me deixam caído por terra.
As suas quedas, Jesus, são partes do caminho que o levou à paixão, à morte e à ressurreição. Elas são escolas do evangelho, nas quais eu aprendo a humildade, a mansidão e a doação que me acalmam, na minha rebeldia; e me dão a confiança, que cede lugar à presunção do meu “eu inflado”, que me faz achar que eu nunca vou cair. As suas quedas são as representações icônicas e simbólicas das minhas muitas quedas. Elas me recordam e me remetem aos meus cansaços, às minhas doenças e às minhas enfermidades. Aliás, “enfermo” significa exatamente não estar firme, cambalear e cair. Eu confesso que “eu também estou doente”.
A subida para o Calvário não era tão íngreme assim. Mas era subida. E foi suficiente para a sua exaustão. Ainda mais com uma cruz nos ombros. O Calvário está acima dos nossos olhos. Para Jerusalém sempre se sobe (Mt 16,21; 20,17-19; Mc 10,32; Lc 9,22.51;13,33; 17,11;18,31; Jo 2,13;5,1;12,12). E de Jerusalém sempre se desce (Lc 10,30). As suas quedas, Jesus, foram pelo peso da cruz e pela subida ao Calvário; pelo seu cansaço e pela sua fadiga; e, enfim, pela sua dor, pelo seu sofrimento e pela sua morte. Tanto assim que precisou da ajuda de um certo Simão de Cirene (Mt 27, 32; Mc 15,21; Lc 23,26). Eu, diferentemente dos soldados e de Cireneu, às vezes, coloco mais cruzes nas suas costas. As suas quedas foram igualmente pelo peso dos meus pecados, dos meus erros e dos meus defeitos. O Justo pelo injusto, o Santo pelo pecador. E morreu por causa de mim e não para salvar-se a si mesmo, como muitos queriam (Lc 23,35-43).
Toda vez que contemplo estas suas quedas, me convenço cada vez mais, Jesus, de que elas foram e são necessárias. Eu, comumente caio, sem saber, sem querer e sem saber me levantar. O Senhor com suas quedas me ensina a hora, o jeito e o motivo de cair e de me levantar. As minhas quedas são semelhantes à queda de Adão. Como não haveria de gostar destas quedas, Jesus?
Concluo esta minha confissão, com o recorte de um texto do, então, Cardeal J. Ratzinger: “Senhor, muitas vezes a vossa Igreja nos parece uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos os lados. E mesmo no vosso campo de trigo, vemos mais cizânia que trigo. O vestido e o rosto tão sujos da vossa Igreja nos horrorizam. Mas somos nós mesmos que os sujamos! Somos nós mesmos que vos traímos sempre, depois de todas as nossas grandes palavras, os nossos grandes gestos. Tende piedade da vossa Igreja: também dentro dela, Adão continua a cair. Com a nossa queda, deitamo-vos ao chão, e Satanás a rir-se porque espera que não mais conseguireis levantar-vos daquela queda; espera que vós, tendo sido arrastado na queda da vossa Igreja, ficareis por terra derrotado. Mas, vós erguer. Vós levantastes, ressuscitastes e podeis levantar-nos também a nós. Salvai e santificai a vossa Igreja. Salvai e santificai a todos nós” (Meditações e oração do Cardeal Joseph Ratzinger sobre a terceira estação da Via-Sacra no Coliseu em Roma, Sexta-feira Santa, de 2005).