Velhos Natais
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Os antigos Natais eram aguardados com ansiedade; morávamos na Rua Floriano Peixoto, no “olho do furacão” do comércio. Pelo dia 1º de dezembro eram instalados cordões de lâmpadas e peças vermelhas e douradas oferecendo outro aspecto à rua. Lá pelo dia 10 as lojas eram abertas até as 22 horas. Então ampliava-se o movimento no comércio: gente apressada, com sacolas cheias de pacotes, acotovelava-se pelas calçadas da rua da nossa casa. Lojas de presentes e brinquedos ficavam lotadas; contratavam-se ajudantes para empacotar. Era um universo que criava expectativa a crianças e jovens.

O outro lado do nosso Natal residia na igreja do Bom Jesus. O tio paterno, Nicolino, incumbia-se de montar dois presépios. Um deles ficava na igreja, que se resumia a uma gruta, enfeitada com papel-pedra e povoada de peças que sobraram de dois ou três tempos da história daquela igreja, peças de terracota e gesso. Havia um belíssimo pastor, tocando gaita de fole, que há muito tempo desapareceu das nossas vistas… eu acompanhava a sua montagem; o tio sempre inventando coisas novas… eu ajudava a limpar, amassar o papel e espalhar a palha. Porém, o mais espetacular era o presépio mecânico, inventado pelo Padre Amirat, com o qual ele e o Mexerica colaboravam.

Quantas e quantas crianças visitavam aquele conjunto de peças. Durante o mês de dezembro, de férias, eu acompanhava os últimos acertos para que tudo funcionasse. O cheiro de tinta fresca na armação, a confecção das fichas de metal, os bonecos de isopor, madeira e tecido, que o tio preparava, eram um fantástico universo para quem não tinha dez anos. Atrás do cenário havia outro mundo de peças funcionando, uma parafernália inacreditável, barulhenta, verdadeiro espetáculo para quem admira os inventores.

A missa do Natal era às 22h., igreja cheia, o padre de paramentos especiais, toalhas de linho nos altares, alfaias próprias e nós, coroinhas, de batina renovada, sobrepeliz engomado. No coro, minhas tias, minha mãe e os demais cantores do coro daquela igreja, cantavam a Missa De Angelis, a mesma que se ouvia na Basílica de São Pedro naquela noite. Era tudo tão bonito: no final cantavam “é um sol o rosto de Jesus menino, ele é a essência do céu cristalizada numa forma de infante pequenino…”.

Depois da cerimônia a ceia na casa da avó, a cem metros da igreja.

No dia 25, o plantão era no presépio mecânico; quase nem dormíamos!! A fila enorme de famílias interessadas em ver as mesmas cenas e bonecos do ano anterior tomava a Rua dos Andradas, no fundo da igreja. Tudo era mágico. Na entrada havia uma “cantina” improvisada que vendia pipoca e sucos gelados. Trabalhei no caixa por vários anos.
Nas cadeiras do antigo cinema acomodavam-se os mais velhos, para prosear enquanto a criançada subia e descia os degraus que levavam aos cenários do presépio. Nicolino ficava sentado ali com o seu boneco de ventríloquo, o Zé Goela, muito divertido.

Ninguém que viveu aquele tempo se esquece da alegria e singeleza do presépio do Padre Amirat. Saudade daquele tempo.