Feliz Natal “Subversivo”!
Dom Arnaldo Carvalheiro Neto
Bispo Diocesano de Jundiaí
O Natal se aproxima e persiste entre nós a indagação: será que compreendemos o seu verdadeiro significado? O consumismo que se vê nesta época do ano, sob a justificativa de comemorar essa grande festa, leva-nos a crer que não. Para além da satisfação de presentear pessoas próximas queridas, especialmente as crianças, seria muito melhor se ousássemos radicalizar o espírito solidário.
Deus despojou-se de sua condição divina fazendo-se radicalmente humano. Nasceu pobre, sem-teto, sob o jugo dos poderosos do seu tempo. Do alto de sua riqueza imensurável, Deus “se fez pobre por nós, para nos enriquecer com a sua pobreza” (2 Cor 8,9).
Quando contemplamos a singela beleza dos presépios, tão presentes em nossas casas e em nossas igrejas neste tempo, nem sempre compreendemos a sua mensagem. É preciso esforço para enxergar com o coração aquilo que é invisível aos olhos. E, no silêncio da contemplação, deixar-se interpelar por aquela cena que exibe o dramático espetáculo de uma família trabalhadora e desprotegida, junto a uma manjedoura onde se vê o recém-nascido envolto em faixas, ladeado de animais. A fome, o frio e o abandono também se fazem presentes na chegada do Menino-Deus, que desde muito cedo carregou no seu frágil corpo as chagas sociais dos pobres de todos os tempos e lugares.
A mensagem do Natal é tão clara e contundente: convida-nos a abrir os olhos para contemplar a misteriosa presença de Cristo Jesus, que se faz carne nos corpos de tantos irmãos e irmãs que perambulam pelas nossas ruas e praças, em busca da própria dignidade. É o Senhor abandonado que bate à nossa porta a procurar um prato de comida, um sorriso, um gesto de amor, um abraço de solidariedade. É o Filho de Deus que se solidariza a todos os que têm fome e sede de justiça e que nos interpela a nos comprometer com a edificação do seu Reino. Isso implica, entre outras coisas, a defesa radical da vida, desde o momento em que se acende a primeira centelha de vida no seio da mãe, até o momento da morte física, passando pela defesa dos direitos humanos e da elaboração de políticas públicas de promoção humana e inclusão social.
Deus veio ao mundo para inaugurar um tempo novo, um tempo de paz. Veio para instaurar o seu Reino de justiça a partir da união e do comprometimento de todos aqueles que, crendo n´Ele e deixando-se guiar pela sua luz, engajam-se num movimento profético que anseia pela concretização de uma autêntica história da salvação, em que todos, a começar dos mais pobres, “tenham vida e vida em abundância!” (Jo 10,10).
Soa muito estranha, para muitos de nós hoje, esta inusitada mensagem de Natal, cuja autoria é atribuída a Dom Hélder Câmara: “Gosto de pensar o Natal como um ato de subversão: um menino pobre, uma mãe ´solteira´, um pai ´adotivo´. Quem assiste seu nascimento é a ralé da sociedade – os pastores; é presenteado por gente ´de outras religiões´ – magos, astrólogos. A família tem que fugir como refugiada. Depois volta e vai viver na periferia. O resto, a gente celebra na Páscoa, mas com a mesma subversão. Sim! A revolução virá dos pobres! Só deles pode vir a salvação! Feliz Natal! Feliz Subversão!”. Se o leitor conseguiu chegar até aqui e se sente tão estarrecido quanto eu, aqui vai um alerta: essa mensagem não provém de um intelecto comunista, mas do coração de um pastor sábio e santo, que não fez outra coisa senão “pregar Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios…” (1 Cor 1,23.25).
A etimologia da palavra Belém é reveladora: não por coincidência significa “Casa do Pão”. Belém, portanto, é a casa onde nasceu Jesus, o “Pão da Vida”, que veio ao mundo para saciar de bens os famintos, contrariando a lógica dos poderosos que insistem em subverter a sabedoria de Deus que supera toda a compreensão humana. Como certamente diria Dom Hélder, somente é capaz de entender essa “Feliz Subversão do Natal” quem se deixa enriquecer pelo amor d´Aquele cuja pobreza escolheu para alcançar a todos nós, absolutamente todos!
Só quem ama compreende!