A simplicidade do Evangelho
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
Imagino Jesus andando pelas terras hermas da Judeia, chamando a si todo tipo de gente. Com que graciosidade tocava os leprosos, falava com as prostitutas, almoçava com os cobradores de impostos e santificava, ainda mais, os que santos já eram.
Paulo, mais tarde irá se lembrar desta imagem e deixará escrito “foi para a liberdade que Cristo nos libertou”. Por isso, também reprovou publicamente a Cefas quando ousou negar esta liberdade (Gl 2,14).
Uma liberdade factível, simples, cujo único mandamento é amar ao próximo como a si mesmo.
Não pesa mais ser judeu ou pagão, grego ou bárbaro, de esquerda ou de direita. Uma liberdade que não tem tempo para “questões tolas, genealogia, contendas, debates em torno da lei, porque são coisas inúteis e vazias (Tt 3,9). Pois, como diz em outro lugar, agora que já conheceis a Deus, como podeis voltar a elementos mais fracos e pobres, e de novo servir a eles (Gl 4,9).
É uma luta constante nas cartas pastorais de Paulo e Pedro contra aqueles que queriam desvirtuar a simplicidade do Evangelho. Os primeiros foram os convertidos judeus, mas o cristianismo havia superado as exigências arcaicas que transformavam a lei em uma coisa ruim, má, que impedia a muitos de chegarem ao céu!
Entretanto, Jesus nunca se mostrou contra a Lei, como visto em seu encontro com aquele mestre que lhe pediu para mostrar o caminho do Céu. O que está escrito na lei? Como lês? Essa é a resposta de Jesus para ele (Lc 10,25).
Ao ler essa interlocução penso ao célebre texto de Kafka, Vor dem Satz (antes da lei). Com ele podemos fazer um paralelo entre a compreensão de Jesus a respeito da lei e o que está antes dela, posto como figura de guardiões da lei.
Em questão, Kafka nos apresenta um camponês que busca o acesso à Lei, mas não pode alcançá-la, pois a Lei tem um guarda diante de si que impede a todos de se aproximarem.
Jesus indica o centro da questão em Lc 10,25. Ao dividir a natureza da Lei em duas perguntas, Ele apela para o seu interno e o seu externo. A exterioridade da Lei é dada em sua forma concreta, geralmente boa, e com base na moral média do povo. Mas ela sozinha não basta. Jesus pergunta àquele mestre e a nós hoje em dia, como lês?
A interpretação da Lei, portanto, é o centro. A partir da interpretação pessoal os maiores podem suplantar os menores. Os grandes devorarem os pequenos. Os puritanos impedem a muitos de chegarem ao Céu.
A vida de Jesus deve ser o Imperativo concreto para nortear as nossas leituras sobre a Lei. A luta é para não deixar essa leitura simples sucumbir em cruzadas perdidas, onde o guarda da lei se torna mais importante que a própria Lei.
O Evangelho da liberdade limita os princípios e faz acordo sobre o que é mais importante para a salvação. Ao ir aos pagãos, Paulo lembra de ser obrigado a se apresentar a “Tiago, Cefas e João, que são considerados as colunas” a fim de defender a simplicidade do Evangelho, onde foi aprovado, e recebeu uma única recomendação: “lembrar-se dos pobres, o que já era sua intenção” (Gl 2,9-10).
Portanto, o Evangelho não pode ser empecilho para a vida, Ele é a própria vida e a liberdade. Vida vivida em movimento que na dúvida assume o lado do último e do abandonado. Daquele que ninguém mais se lembra. Assim eram os pagãos, os pobres e as mulheres naquele tempo; assim são tantos ainda hoje. A solução ainda é a simplicidade.