Ameaças ao jogo eleitoral e à democracia
Importância de elevar o nível de civilidade e interesse pelo bem comum
Tenho críticas ao sistema democrático brasileiro, mas considero ser crucial impedir sua destruição, preservar suas instituições, garantir a realização pacífica da próxima eleição e dela participar seguindo as regras atuais — apesar de suas presentes limitações. As eleições não são uma finalidade em si, mas um recurso para a ampliação da democracia, aprofundamento da discussão e apresentação de soluções para os problemas brasileiros.
Pode-se reconhecer um defensor da democracia por sua abertura ao diálogo e respeito do equilíbrio de poderes, à Constituição. aos adversários, divergências e preferências opostas. As recentes eleições francesas deram um exemplo de civilidade, quando a candidata derrotada reconheceu a vitória do opositor e este impediu que seus seguidores a vaiassem. Eleito presidente, apresentou-se como representante de toda a nação e não apenas de seu grupo.
Numa democracia, a Constituição garante o poder ao povo de eleger seus representantes. A fim de realizar esse objetivo são estabelecidas regras de participação no jogo eleitoral para poder dele participar. Debates, críticas e protestos pacíficos fazem parte do jogo eleitoral, mas é inadmissível o ataque ou assalto a qualquer dos poderes que constituem a base do sistema democrático.
Não se trata de eleger um candidato ideal correspondendo às nossas convicções, mas de escolher entre as possibilidades apresentadas, aceitando a decisão da maioria – mesmo que não corresponda ao que desejaríamos.
Circulam, entretanto, no cenário político, manifestações de virulência, extremismo, fanatismo político, recusa do jogo eleitoral e da vitória aos oponentes. Pairam no ar ameaças e tentativas de destruição das nossas instituições, do próprio equilíbrio dos poderes e das conquistas democráticas.
Desse modo, o enfrentamento das eleições tende a tornar-se uma guerra de extermínio dos adversários. As urnas eletrônicas são contestadas e se propaga antecipadamente que elas não refletirão a “vontade popular”. Alastram-se alarmantes indicadores de violência, estímulos à compra e ao uso de armas de fogo, chegando-se até mesmo a intimidações e declarações de morte aos opositores.
Surge naturalmente o temor de uma repetição do que aconteceu nos Estados Unidos, em janeiro de 2021, quando grupos favoráveis ao presidente em exercício invadiram o Capitólio, sede do Congresso americano em Washington, durante a sessão de contagem dos votos da eleição que daria a vitória ao seu adversário. Momentos antes, em discurso aos seus apoiadores, o presidente havia afirmado que não aceitaria o resultado eleitoral. Considerou-se que ele teria assim desencadeado esse assalto ao poder, insuflando os invasores a vociferar que a eleição lhes tinha sido roubada. Nessa invasão, ocorreram vandalismos, quebradeiras, uso de gás lacrimogêneo, tiros e pessoas feridas.
A lição central a ser tirada desses eventos é a do perigo de alimentar-se o uso de violência, manipulações e imposições para tentar impedir o jogo eleitoral e a vitória do oponente. Tal postura é contrária aos princípios democráticos. Nossa democracia representativa estabelece o acesso ao poder pelas urnas e o acatamento dos resultados obtidos no respeito das regras estabelecidas. Desse modo, ela restringe a violência e as contestações indevidas, buscando um encaminhamento pacífico para os conflitos de interesses e opiniões divergentes.