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Dom João Justino de Medeiros Silva
Administrador Apostólico de Montes Claros (MG)

 

Entre os fenômenos da natureza, a chuva é um dos mais belos e dos mais fortes. A água, ao cair dos céus, desperta a vida e logo pede passagem. Onde há terra ela penetra para fecundar as sementes e deixar verde a vegetação. Alimenta as nascentes em que os sedentos acorrem para beber da água cristalina. Se o solo está impermeabilizado pelo cimento ou asfalto, ou ocupado com construções, quanto mais intensas e duradouras as chuvas, mais força as águas pluviais ganham e podem se tornar destruidoras. Se há alguma fresta, ela entra gota a gota para fazer goteira nos telhados e nas lajes. Desmorona barrancos, abre crateras, esculpe as pedras. Quase vaidosa, ela desfruta de uma persistência evocada no adágio: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Ela está sempre presente, com grande riqueza de significados, em passagens bíblicas. Exemplo é a evocação da imagem bíblica do dilúvio, para lembrar que as águas podem submergir muitos espaços e pode trazer consigo a morte.
O ser humano dela depende para viver. Os médicos aconselham beber ao menos três litros de água por dia, o que para muitos é um sacrifício. Numa casa ela é moradora de destaque em diversos espaços, especialmente nos lavabos, cozinhas, banheiros e jardins. E quando não se faz presente, quanta reclamação de quem depende dela para banhar-se, alimentar-se e limpar os ambientes. Ela é, indubitavelmente, um produto de primeira necessidade. Pode ser chamada de ouro, pois em muitos lugares é disputada e, pelo que se anuncia, será cada vez mais valiosa. Engarrafada, em vidro ou em pet, quantos na atualidade não adquirem a água para servir à mesa e beber, ou mesmo cozinhar?
Inteligentemente, o ser humano descobriu que as águas podem ser represadas e sua força transformada em energia mecânica. Depois descobriu que daí poderia ter energia elétrica. Para isso é capaz de mudar o curso dos rios e de construir imensas hidrelétricas, que trazem inúmeros benefícios e inúmeros desequilíbrios ambientais e sociais.
As chuvas que neste verão de 2022 castigam algumas regiões do Sudeste e, também, do Norte do país oportunizam, mais uma vez, muitas reflexões. Quero contribuir com duas ponderações que me parecem necessárias e úteis. Ambas partem da pergunta: em relação à água, qual minha posição pessoal e política? Sei que sobre toda ação pessoal há uma espécie de hipoteca social. Boa parte das ações pessoais tem consequências sociais. Daí brota a natureza política das pequenas ações do cotidiano. Então, a primeira ponderação é sobre o modo como pessoalmente lidamos com a água. Reflita: como a utilizo? Há desperdícios? Que interferências minhas colaboram para resultar em desastres maiores? Preservo as árvores? Deixo espaços de solo livres para a água penetrar na terra? Evito deixar lixo no caminho das águas pluviais? Esses pequenos gestos podem parecer inúteis para você. Mas para a Terra que abriga bilhões de habitantes, cada gesto desses tem um impacto impressionante.
A outra ponderação é de ordem política. Lembre-se de que as grandes decisões administrativas confiadas aos governos precisam ser terminantemente acompanhadas e criticadas pelos cidadãos eleitores. Há decisões governamentais que são avassaladoras para o futuro do planeta. Entre elas estão as relacionadas às águas e, consequentemente, à questão energética e à mineração. O cidadão comum, de modo geral, tem pouco interesse nesses debates. Nossa omissão diante dessas decisões tem alto custo, levando ao perecimento de bens e ceifando vidas, sobretudo dos mais pobres.