Creio na Vida Eterna XVIII
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“O padre Giacomo Panteghini tenta recuperar o sentido original de alguns termos em uso. Exponho alguns de maior interesse para nós:

Visão de Deus
A teologia ocidental tem interpretado esta visão num sentido demasiado intelectual, como um fato de conhecimento contemplativo. Na bíblia, ver o rosto de Deus significa antes estar em comunhão existencial com Ele. É análogo o significado do conhecer bíblico que significa fazer experiência, entrar em comunhão de vida. Neste sentido, Paulo fala da vida eterna como de uma visão face a face (imediata) e de visão perfeita, que caracterizará o habitar com o Senhor.
No mesmo sentido, 1Jo 3,2 afirma: ‘Agora somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que quando Ele Se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é’.
Aqui se trata de uma visão que gera a semelhança com Deus ou com Cristo, ou seja, de uma visão divinizante, que nos torna, segundo a expressão dos Padres, filhos no Filho. O texto associa claramente a visão de Deus à participação do seu ser (semelhança). Também aqui o ver é entendido com o sentido de comunhão de vida. E isto nos faz compreender a designação do estado escatológico como vida eterna.

Divinização
A recuperação da dimensão cristológica da bem-aventurança também nos permite compreender o verdadeiro significado da doutrina tradicional da divinização.
Com efeito, corre-se o risco de interpretar esta doutrina em sentido panteísta (só Deus é real), como uma perda do próprio eu absorvido na divindade. Se assim fosse, a vida eterna não seria o cumprimento da criação, mas a sua negação, a sua destruição.
Na perspectiva cristã, pelo contrário, a participação na vida divina é entendida como dom personalizante, não como acontecimento alienante. A relação com o tu divino não ameaça o eu humano, mas constitui-o na sua solidez de pessoa. O amor faz superar as distancias entre o eu e o tu, mas não anula nem ameaça as respectivas identidades.

Vida eterna: dinamismo permanente
Certas representações desta vida eterna correspondiam a uma visão estática do homem e do seu cumprimento, dando lugar à objeção do tédio.
Na verdade, um paraíso imaginado como uma espécie de adoração perpétua não fascina toda a gente. Recordo, a este propósito, o escândalo de um professor meu de seminário, ao qual, depois de nos ter apresentado o paraíso dessa forma, nós, os discípulos adolescentes, objetivávamos mostrando uma sentida preferência por um limbo onde nós pudéssemos divertir um pouco… Não havendo na época eficazes argumentos teológicos a contrapor, tivemos de engolir a reprimenda, mas não ficamos convencidos de que estávamos enganados.
Com efeito, o paraíso deve ser entendido de modo muito diferente. Se é vida, não pode ser reduzido à imobilidade. A vida é dinamismo perene: quanto mais plena, mais dinâmica. E a vida de Deus e em Deus não pode deixar de ser vida plena.
No conceito de vida eterna está, portanto incluído um dinamismo permanente, caso contrário não haveria vida. O tema da contemplação não deve induzir-nos em erro. Deus não é objeto que detenha o nosso dinamismo, mas o horizonte pessoal perene que, precisamente por ser infinito, reservará eternamente surpresas aos nossos olhos. A comunhão de vida com Ele em Cristo, seja como for que a possamos representar, não poderá dar lugar a tédio ou a habituação. Aliás, uma experiência do gênero é possível já desde agora na verdadeira relação de amor em que, no dinamismo do dom recíproco, também as coisas, as palavras e os gestos mais comuns são resgatados da banalidade porque apreendidos como expressão de um tu que é sempre mistério, novidade, surpresa.
Isto não significa rejeitar a espera tradicional de um repouso eterno. Tudo depende de precisar o conceito de repouso. A atividade celeste será uma operação que não tem nada do trabalho alienante de que a humanidade teve sobretudo experiência e que nos levou a pensar na felicidade como repouso. Tratar-se-á, pelo contrário, de uma atividade que é repouso e de um repouso que é atividade.”

Continua…

Pe. Daniel Bevilacqua Santos Romano.
Vigário na Paróquia Nossa Senhora do
Monte Serrat – Salto/SP