As histórias do dia que Pelé jogou no Fluminense
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Oficialmente, Pelé só jogou pelo Santos, no Brasil, e pelo New York Cosmos, dos Estados Unidos. Mas alguns dos outros clubes também tiveram um pedaço da história com o Rei do Futebol, que completou 80 anos na sexta-feira 23, e fizeram suas homenagens de aniversário. Como por exemplo o Fluminense.
A foto para a eternidade do Fluminense. Em pé: Paulo Emílio (técnico), José Roberto (preparador), Renato, Marinho Chagas, Dário Lourenço, Miranda, Edevaldo, Rubens Galaxe e Dr. Arnaldo Santiago. Agachados: Gildásio, Arturzinho, Geraldão, Pelé e Gilson Gênio — Foto: Acervo Flu Memória.
O enredo que levou o craque a vestir a camisa tricolor aconteceu há mais de 42 anos, em uma história não muito inédita para os torcedores: amistoso na Nigéria e vitória do Fluminense por 2 a 1 sobre o Racca Rovers, vice-campeão do país, no dia 26 de abril de 1978. O próprio Pelé, em 2018, fez uma postagem lembrando o fato em suas redes sociais. Mas o que pouca gente sabe são os detalhes, obtidos através de jornais antigos e entrevistas com ex-jogadores daquele time.
Pelé em campo com a camisa do Fluminense realmente foi por acaso. Mas o fato de tanto o maior ídolo do Brasil quanto o clube brasileiro, ainda badalado pela “Máquina Tricolor” dos anos anteriores, estarem no mesmo local e horário não foi coincidência. O craque, que havia acabado de encerar sua carreira, viajou como garoto-propaganda da “Interbrás” para fazer o lançamento de vários eletrodomésticos no país africano. E assinou um contrato onde se comprometeu a jogar 45 minutos pela seleção nigeriana no amistoso contra o Fluminense.
E assim o fez. No dia 22 de abril de 1978, no Estádio Municipal de Lagos, o Fluminense passeou e fez 3 a 1 sobre a Nigéria com Pelé e tudo. No segundo amistoso diante do Racca Rovers, realizado em Kaduna, a 800 km para o interior do país, o Rei do Futebol iria apenas para receber homenagens, dar o pontapé inicial e uma volta olímpica para saudar a torcida.
Mas com a multidão em polvorosa no estádio e arredores, o governador local ameaçou deixar o estádio e retirar o policiamento se o craque não jogasse. Mais do que os nigerianos, os tricolores é que agradecem: “chegamos com estádio superlotado e mais uma multidão do lado de fora, a polícia batendo de chicote. Era um estádio bem pequeno, cabiam no máximo 10 mil pessoas. O Pelé estava com roupa de passeio, na hora que subiu tinham pessoas para recebê-lo e deram um traje típico. Ele chegou perto de mim e disse: “Olha a palhaçada que vou fazer”. Ele foi andando, abriu os braços com aquela roupa e saldou a torcida, aí o estádio veio abaixo” recordou o ex-goleiro Renato, o Aranha Negra.
“Eu lembro muita coisa, a memória não pode falhar com Pelé no seu time. Jogar ao lado dele é impagável. A gente já estava aquecido e tudo, quando houve uma onda, uma movimentação. Sabíamos que ele estava lá, mas só tomamos conhecimento (de que iria jogar) quando ele entrou em campo de uniforme. Chegou a brincar de dois toques para aquecer com a gente. Não foi nada programado, foi uma surpresa agradável”, destacou o ex-meia Rubens Galaxe.
Mas para Pelé entrar, alguém ia ter que sair. A pergunta era: quem? O meia Arturzinho, que na época já estava de sobreaviso do técnico Paulo Emílio para jogar no lugar de Pintinho, machucado após o primeiro amistoso, lembra bem daquele momento e supõe porque o craque escolheu o Flu: “Nesse primeiro jogo pelo time da Nigéria, o Pelé não pegou na bola. Os caras não jogavam nada e tomaram um vareio, fizemos três ou quatro gols. Pelé já estava injuriado, não ia querer jogar com os caras de novo (risos). A gente já estava perfilado quando o Pelé apareceu. E quem estava com a camisa 10? O Tatu, que teve que sair para ele entrar. Eu que estava com a oito (8) continuei. Se estivesse com a 10 eu que teria saído (risos).
Tatu é Luis Carlos Tatu, ex-atacante que havia sido titular no primeiro amistoso. Foi ele quem cedeu a vaga para Pelé e recorda com bom humor do episódio, garantindo que não ficou frustrado: “Antes de entrar em campo, o Pelé vira para mim e fala: “Pode ficar tranquilo porque eu não vou jogar, não. O combinado foi eu não jogar”. Aí, quando já estávamos no gramado, ele aparece na beira do campo já de uniforme e fala para mim: “Falei que não ia jogar, mas era brincadeira, ia pedir para entrar no seu lugar (risos)”. Ainda disse que ia jogar só 10, 15 minutos, mas foi o tempo todo. O cara era fominha. Sair para ele entrar? Saio quantas vezes quiser (risos). Mas já tinha jogado ao lado dele duas vezes na Seleção”, disse Tatu.

Enxame de abelha, mala de comida…

Para além do placar e do privilégio de jogar com o Rei, ficaram muitas histórias daquela aventura na África. No estádio em Kaduna, jogadores, comissão técnica e torcedores sofreram um ataque de um enxame de abelhas. A imprensa na época noticiou que um policial picado chegou a perder o equilíbrio e cair do cavalo, enquanto o técnico Paulo Emílio se escondeu debaixo do banco de reservas.
“Era uma nuvem de abelha africana, um barulho que era uma coisa louca, parecia de avião a jato. Foi uma cena igual de guerra, todo mundo se jogando no chão. Foi aterrorizante – lembrou Renato.
“Brinquei com o Pelé depois: “Está vendo, é a maldição sua” (risos). Mas foi todo mundo deitando no chão, se jogando, abelha para tudo que é lado”, completou Tatu.
A imprensa também noticiou na época que o árbitro foi ao vestiário do Fluminense carregando uma tesoura e examinando as unhas dos jogadores, até mesmo dos goleiros, que jogam de luvas. Mas a tesoura não teria sido usada. Também houve implicância com esparadrapos nos dedos. Em campo, segundo relatos, a arbitragem se atrapalhou e marcou impedimento de um arremesso lateral.
Arturzinho lembrou de outra história: quando não conseguiram treinar devido a manifestações políticas nas ruas, que impediram o acesso ao estádio. Os ônibus para deslocamentos da delegação eram da prefeitura local: “Estávamos indo para o estádio treinar, e tinha um viaduto que só dava mão para um lado. Do nada, o ônibus parou no meio do viaduto, e o motorista começou a manobrar para voltar. A gente ficou apavorado, sem saber o que o cara estava fazendo, e ele veio na contramão igual um maluco. Só depois fomos saber que estava tendo uma manifestação no caminho e estavam virando os ônibus do governo.
“A gente chegou tarde da noite ao hotel. Eu sempre dividia o quarto com o Paulo Goulart, mas nesse dia fiquei com o Robertinho. Quando cada um iria tomar o seu banho, a água acabou. Estava calor como sempre, e o Robertinho colocou o colchão no chão. Só que ele abriu a torneira e não fechou. Quando acordamos, estava tudo inundado (risos)”, contou Rubens Galaxe.
Mas talvez os maiores perrengues que os jogadores tiveram foi com a alimentação. Diante da preocupação com a falta de higiene no país, a delegação proibiu até de beber água, recordou Renato. O goleiro, então, encomendou uma mala de mantimentos que foi levada pelo torcedor Antônio Barros, seu conhecido dos tempos de futebol de praia no Rio de Janeiro: “Foi a salvação. Eu e o Tatu éramos vizinhos, e nossas mulheres eram muito amigas. Quando chegamos lá, um calor de louco, não nos deixavam nem beber água. Ficávamos tomando só cerveja. A comida também era uma coisa pavorosa, tinha uma carne que falavam que era de macaco. Ai bateu o desespero. Liguei para minha mulher, ela juntou 25 kg de alimento e mandou. Tinha pizza, lata de feijoada, queijo, patê… Não sei como essa mala conseguiu passar na alfândega (risos), foi uma benção de Deus. Quando chegou, falei para o pessoal: “Pega o pão, que coisa para pôr dentro eu tenho” (risos).
E de acordo com o noticiado na imprensa, o médico do Fluminense na viagem, o Dr. Arnaldo Santiago, foi procurado para operar Oyarenkhua, jogador da seleção nigeriana e até então maior artilheiro do país. Na época, ele vinha jogando há dois meses no sacrifício após lesão no menisco.
Naquele 26 de abril, o Fluminense entrou em campo com Renato; Edevaldo, Miranda, Dário Lourenço e Marinho Chagas; Rubens Galaxe, Arturzinho e Pelé; Gildásio, Geraldão e Gilson Gênio. Nas substituições, entraram: Luis Carlos Tatu, Edival e Carlinhos. Dos 14 jogadores, apenas Marinho Chagas já morreu, vítima de uma hemorragia digestiva em 2014.
O Fluminense encerrou a excursão pela Nigéria com um terceiro amistoso, que terminou com um empate por 1 a 1 com o time Shooting Star, em Lagos. Antes deste último jogo, Pelé retornou ao Brasil e evitou novas surpresas. Quarenta e dois anos depois, os personagens seguiram suas vidas sem jamais esquecer dos momentos ao lado do Rei do Futebol.

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