A festa de Santa Margarida Maria no Bom Jesus
por Altair José Estrada Junior
O dia 16 de outubro, dedicado a Santa Margarida Maria Alacoque, somado ao centenário de sua canonização, em 2020, evocam de modo especial a devoção que o povo ituano sempre dedicou a essa que é uma das grandes apóstolas da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e as piedosas comemorações que lhe dedicava a igreja do Bom Jesus, no tempo dos jesuítas.
Nascida em L’Hautecour, na França em 1647, Santa Margarida Maria foi uma monja da Ordem da Visitação de Santa Maria, fundada por São Francisco de Salles, que se tornou conhecida pelas aparições que lhe fez Nosso Senhor em sua juventude, no mosteiro de Paray-le-Monial, apresentando-lhe e pedindo-lhe que propagasse a devoção ao seu Sagrado Coração. Numa época em que a Igreja sofria a influência do Jansenismo, que pregava um rigorismo extremo e afastava as pessoas dos sacramentos, Santa Margarida foi uma das grandes responsáveis por resgatar na Igreja e nos fiéis a imagem de Deus como amor; a imagem de Deus como “coração”. Promoveu de modo especial o culto ao Sagrado Coração na Santíssima Eucaristia, intimamente a esta relacionado, suscitando a comunhão reparadora na primeira sexta-feira do mês e a hora santa, em reparação pelos pecados cometidos contra o Coração de Jesus, que lhe disse numa das aparições: “Eis aqui o coração que tanto amou os homens, até se esgotar e consumir para testemunhar-lhe seu amor e, em troca, não recebe da maior parte senão ingratidões, friezas e desprezos”. Sua influência foi tamanha, que levou o Papa Leão XIII a consagrar o mundo ao Sagrado Coração de Jesus, em 1889. Santa Margarida morreu em 1690, aos 43 anos, foi beatificada em 1864 e canonizada em 13 de maio de 1920, pelo Papa Bento XV.
No Bom Jesus, a festa anual de Santa Margarida Maria era a principal da igreja, associada à do Sagrado Coração de Jesus. Promovida pelo Apostolado da Oração, cujo Santuário Nacional encontra-se anexo à igreja, acontecia todo mês de outubro, com tríduo e procissão.
O tríduo tinha início numa quinta-feira próxima ao dia 16, dia litúrgico da santa. Havia missa com cânticos, pregação e bênção do Santíssimo Sacramento, frente ao qual se faziam as orações próprias do tríduo e se cantava o Jesu corona virginum, de Lorenzo Perosi, um dos cantos mais comoventes dos quais me recordo. Em cada ano havia um pregador diferente, especialmente convidado para refletir com a comunidade durante o tríduo e no domingo, dia da festa. São célebres pra mim as pegações dos jesuítas padres Luiz D’Elboux – aliás, o maior orador sacro que conheci, Arthur Sampaio, Alexander Macintyre e Paulo Nacca.
No domingo tinha lugar a solenidade externa de Santa Margarida. Às 5:30 horas da manhã acordávamos os vizinhos da igreja com alvorada de sinos e rojões, para logo em seguida começar a primeira missa do dia, às 6 horas. Mas a missa da festa mesmo era a das 7:30 horas, solene, geralmente cantada – lembro-me de quando o coro do Bom Jesus executou a Te Deum Laudamus, também de Perosi. Na igreja era um verdadeiro mar de fitas vermelhas, dos zeladores e associados do Apostolado da Oração, assíduos em todos os dias das celebrações e que ao final entoavam vibrante seu hino: “Levantai-vos, soldados de Cristo; eia avante na senda da glória. Desfraldai no pendão da vitória o imortal Coração de Jesus”.
Domingo à tarde era a vez da procissão, para a qual os sinos da igreja começavam a chamar bem antes, repicando de tempos em tempos. Como tenho saudade das procissões do Bom Jesus! Não eram muito grandes, mas como eram organizadas e piedosas! Saía às 17 horas. A Irmandade de São Benedito ia à frente, com sua cruz, tocheiros e opas, como fazia em todas as procissões da cidade. Depois vinha o povo em fila dupla de um lado e de outro da rua, as bandeiras do Apostolado e da Congregação Mariana, as crianças do Lar Escola Santo Inácio, à época bem conduzidas pelas irmãs Sampaio, com estandartes de Santa Margarida, os coroinhas, o andor da santa, ajoelhada frente ao Coração de Jesus, reproduzindo as aparições que teve. Concluindo a procissão vinha o pálio, com o sacerdote levando a relíquia da santa, e a Banda do Carmo, executando motetes tradicionais que sustentavam o canto dos participantes.
O cortejo geralmente subia a Floriano Peixoto e descia a Santa Rita, passando pela capelinha desta a lhe homenagear pelo repicar dos sinos.
Na entrada da procissão, o coro do Bom Jesus entoava a Ave Maria de Donatti, o pregador da festa concluía suas reflexões vibrantemente no púlpito da igreja e era dada a bênção do Santíssimo, que diferentemente de durante o tríduo, era solene, com a custódia, incenso, também com o Jesu corona e com composições do Salutaris e do Tantum Ergo especialmente reservadas para esse dia. Num ano contamos 76 velas no altar para essa bênção, durante a qual as campainhas, mais sinos e rojões anunciavam não só as graças eucarísticas do momento, mas também que se aproximava o final dos festejos daquele ano.
“Coração de meu Jesus, doce e terno, alanceado; seja o meu, no vosso amor, cada vez mais abrasado” era a jaculatória final, enquanto o padre guardava o Santíssimo e se retirava para a sacristia.
Pena que um ano tenha se retirado em definitivo…