Dimensão psicológica do  “comportamento de manada” e sua superação espiritual
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por Olga Sodré

O “efeito manada” nas atuais narrativas em rede

Em psicoterapia, uma pessoa pode ter acesso à sua história e se descolar de relatos anteriormente estabelecidos, liberando-se das formas que a aprisionam. Na vida social, sofremos a influência das ideias dominantes ou do grupo com o qual nos identificamos. Entretanto, multiplicam-se atualmente os enredados por narrativas que lhe são coladas externamente. Trata-se de um novo tipo de envolvimento em narrativas impessoais às quais as pessoas aderem e difundem, sem passá-las pelo crivo da reflexão e fundamentação pessoal.
O “efeito manada” foi constatado nos investimentos e na divulgação de notícias mentirosas, porém o problema é mais amplo. Não apenas robôs veiculam narrativas pelas redes, mas também muitas pessoas as espalham automaticamente como se fossem robôs, mesmo quando tais narrativas estão em contradição com seus valores cristãos. Há muitos que propagam tais narrativas por interesses pessoais e econômicos. Porém, existem aqueles que, em diferentes grupos, as aplaudem e reproduzem, embora tais narrativas não tenham relação direta com sua formação pessoal.
É impressionante observar que, apesar da externalidade dessas narrativas, nada consegue abalar a adesão a elas em massa, nem mesmo as mais terríveis informações sobre os fatos ou o repúdio variado a tal tipo de narrativa. Ocorre um “efeito manada” diverso da influência anteriormente moldada pelos meios de comunicação de massa. Diferentes grupos estruturados em redes funcionam como sistemas fechados de transmissão e reprodução em larga escala desse tipo de narrativas. Isso nos dá uma indicação da razão dessa inabalável adesão a elas. Elas estão enraizadas numa identificação em grupo semelhante a que ocorre com adolescentes que ainda não se diferenciaram e consolidaram suas próprias posições.
É evidente que se pode participar de redes sociais e apreciar diferentes tipos de narrativas sem estar desse modo a elas colado. No caso do sistema atual de cópia e colagem de narrativas impessoais, trata-se de um processo diverso e mais impermeável a qualquer refutação ou análise, que vem impregnado pelas polarizações, oposições e ódios semeados no atual contexto social. Daí decorre o “efeito manada” desses sistemas narrativos fechados e impessoais. Eles se alimentam do confronto constante, cimentam a identificação ao grupo e expressam um cego seguimento aos líderes e manipuladores de opinião.
A superação do “efeito manada” supõe o enraizamento no próprio ser, uma reflexão constante a partir de parâmetros e valores pessoais e uma recusa dessa polarização. Numa postagem nas redes sociais, no Dia Internacional em Memória das Vítimas de Atos de Violência baseados em Religião ou Crença ((22/08/20), o Papa Francisco pediu que se deixe de utilizar a religião para incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego. Os ensinamentos de Cristo levam a descartar todas as narrativas de ódio, falta de empatia com o sofrimento do próximo e destruição de reputações. É, portanto, fundamental enfrentar as pressões contrárias, no respeito pela diferença de opiniões e modos de ser, numa convivência democrática diante de posturas distintas. Isso é difícil, pois os que procuram escapar dessa polarização são percebidos como ameaça. Porém, não podemos ceder à massificação e ao ódio!

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