Mistério da trajetória humana
por Olga Sodré
O filme de ficção « 2001 – Uma Odisseia no Espaço » narra o desenvolvimento humano desde a aurora da humanidade, na pré-história de uma tribo primitiva de seres semelhantes a macacos. Ao tocarem um enigmático monolito preto, eles demonstram terem adquirido capacidades que anteriormente não tinham. Ocorre um salto evolutivo que torna esses primatas os novos senhores do planeta, no decorrer de alguns séculos.
Quatro milhões de anos depois, no século XXI, surge um progresso suficiente para se chegar ao espaço. Uma equipe de astronautas é enviada para investigar um estranho monolito espacial, viajando numa nave controlada por um computador altamente inteligente. Compartilhando com os seres humanos as mesmas potencialidades e desordens emocionais, esse computador chega a um colapso de tipo nervoso, no meio da viagem. Ele tenta assumir o controle da nave, eliminando os tripulantes. Quando é finalmente desconectado, um vídeo nele pré-gravado revela a existência de monolitos, cuja origem e propósito são um total mistério.
O contato com as emissões de um desses monolitos desencadeia num dos astronauta uma viagem de tipo astral, num túnel que altera as noções de tempo e espaço e provoca estranhos efeitos: ele se vê em diferentes versões até se tornar um homem muito velho numa cama, ao lado da qual está um monolito. Ao se aproximar dele, o astronauta é transformado num ser parecido com um feto humano, dentro de um orbe transparente e luminoso que flutua no espaço ao lado da Terra, enquanto o novo ser a contempla.
Quando eu era criança, eu tinha sensações de estranheza olhando o mundo ao redor, e muitas questões emergiam. Por que eu era tão pequena e os outros grandes? Por que havia jovens e velhos? O que existia além dos limites da minha casa, da rua ou acima dos céus? Tudo me parecia estranho e, como as outras crianças, eu não cessava de fazer perguntas. A maioria dos adultos perde essa capacidade de estranhar e indagar,vão se adaptando ao funcionamento do mundo e não mais se espantam ou questionam.
Ao contrário disso, esse filme reflete sobre o mistério da vida. Ele não se limita a falar do espaço cósmico ou de inovações tecnológicas e viagens espaciais, mas discute o que é o ser humano e o que constitui nossa humanidade. É simplesmente ter consciência? O primata do inicio do fime já era humano ou ainda não? O computador superinteligente tinha consciência ou não passava de uma boa programação? O filme nos questiona sobre o desenvolvimento da humanidade, seus projetos, a chegada ao espaço e o contato com algo misterioso que está além de nossa compreensão. A atual pandemia teve o mérito de sacudir o planeta e mudar o nosso usual modo de viver, levantando algumas indagações sobre nosso humanismo; sobre vida e morte, sociabilidade e isolamento, relações humanas, familiares, sociais e internacionais; sobre os limites das capacidades humanas, dos poderes políticos e do funcionamento econômico; sobre as reais forças que governam o mundo, o mistério da nossa vida e nossa relação com Deus.