A Indulgência do Império Romano: Da Tolerância a Religião Oficial
por Evandro Antônio Correia
De fato, título estranho! Retomemos o período das perseguições e alguns passos dessa história. Ela mistura religião com leis do Estado. Um debate sem fim…
Na metade do século III o comportamento dos imperadores contra os cristãos, entre a tolerância e a coerção, conduziu uma política determinada pela pressão popular e pelas acusações das elites, valendo-se da repressão. O imperador Décio, então, estabeleceu uma «supplicatio» pública aos deuses pelo Império, exigindo dos cidadãos um visível ato de fidelidade que deveria ser registrado com um certificado de sacrifício («libellus»). Anos mais tarde Valeriano impunha somente aos cristãos de sacrificar aos deuses, retomando a perseguição. No ano de 257 obrigou (bispos, presbíteros e diáconos) à «supplicatio», sob pena de exílio e foram proibidas as reuniões de culto e a visita aos cemitérios. Um ano depois, desdobrou as condenações em: pena de morte (para o clero, senadores e a classe equestre) e trabalhos forçados (para as demais classes sociais). E de TODOS vinham confiscados os bens.
No século IV, o imperador Galerio Maximiano (311) mudou a linguagem pertinente aos cristãos. Concedeu a «indulgência»! Acordou a todos os cidadãos o «direito» de professar livremente um culto à divindade… Com isso, corroborou aos fiéis do «deus dos cristãos» de gozarem do mesmo direito, vinculando-os a rezarem pelo imperador, pela «res publica» e pela completa estabilidade e prosperidade do Império. A inesperada e radical mudança era motivada pela necessidade de paz e unidade do Império (reflexo do insucesso da política anterior, também, repressiva de Diocleciano). Pois, a maioria não se dobrara ao culto dos deuses tradicionais, mesmo submetendo os cristãos a juízo, ao silêncio, à morte. No edito se fez necessário dispor o fim da perseguição, para que os cristãos fossem plenamente integrados ao Estado… e todas as atividades econômicas…, por eles geridas…, viessem absorvidas (sic!). As comunidades cristãs, então, foram reconhecidas como «collegio licita», ao lado da religião oficial romana.
Outra justificativa dessa mudança está no fato que, Galerio, estivesse com câncer e, em sua angustia, também implorou ao «deus dos cristãos».
Somente o edito de Milão (313) concedeu ao cristianismo a legítima liberdade religiosa. Estabelecendo que, os bens das comunidades cristãs e de pessoas privadas, roubados ou confiscados, no período das perseguições, fossem restituídos pelo erário imperial. Todavia, essas últimas decisões pareciam depender das medidas aplicativas de Galerio. E nova lei de 321 acordou à Igreja a capacidade de receber bens.
Em Tessalônica, ano 380, se inicia a fusão entre a religião cristã e o patrimônio cultural do Império: língua, direito, ritos, costumes, arte. Mas outros elementos promoveram melhor assimilação, como «religião oficial», no reconhecimento formulado pelos primeiros apologistas cristãos: a legitimidade do Estado e do poder público (constituídos no direito natural, de origem estoica e pelo ensinamento de s. Paulo acerca da obediência às autoridades), porque «TODO PODER VEM DE DEUS» (Rm 13,1-7). Aliás, tantas personalidades do cristianismo receberam excelente formação filosófica e jurídica, que se tornou propícia ao incremento da formulação teológica e da assimilação do sistema jurídico do Império.
Até mais!