Mensagem ao Povo Brasileiro
A Mensagem ao Povo Brasileiro, aprovada pelos 443 bispos que participaram da 61ª Assembleia Geral da CNBB, realizada em Aparecida (SP), de 10 a 19 de abril, traduz um sentimento de esperança e de futuro, abordando assuntos da realidade política e climática do Brasil e do planeta. Também aborda as eleições que se aproximam, incentivando a cuidar da Democracia, e propõe o combate à violência no país e às guerras pelo mundo.
Vós sois todos irmãos e irmãs (cf. Mateus 23,8)
Nós, bispos católicos do Brasil, iluminados por Jesus Ressuscitado, com fé e esperança, reunidos no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, de 10 a 19 de abril na cidade de Aparecida, SP, para a 61ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, dirigimos esta mensagem a todo o povo brasileiro.
Na Assembleia, tivemos a oportunidade de dialogar e refletir sobre a nossa participação na missão da Igreja e na sociedade. Foi um momento de comunhão e de valorização das nossas diversidades. Reafirmamos e renovamos nossa opção radical e incondicional pela defesa integral da vida que se manifesta em cada ser humano e em toda a Criação. O tempo pascal nos impulsiona a renovar a esperança na certeza de que a morte foi e será sempre vencida. Os tempos atribulados exigem coragem e paciência para crescermos na Amizade Social (cf. Campanha da Fraternidade 2024). As muitas dificuldades ajudam a construir uma atitude de resistência e resiliência na busca por uma sociedade mais justa e fraterna, valores fundamentais do Reino de Deus.
O passado recente nos ensina que a busca de soluções para o Brasil passa necessariamente pelo diálogo e pelo entendimento. Muito do que superamos deveu-se à articulação entre agentes lúcidos e cidadãos compromissados com a vida, a democracia e o país. As instituições brasileiras e a sociedade civil são fundamentais nesse processo. Os três poderes da República são instados a viver o que preconiza a Constituição. Independência e harmonia não são opções de momento, são deveres permanentes e irrenunciáveis. Na sociedade do diálogo, a paz é um imperativo.
O primeiro dom do Ressuscitado foi de que a paz estivesse no nosso meio (cf. João 20,21). Papa Francisco recorda que a paz, por ação da força “mansa e santa” dos que creem, deve ser buscada como forma de “se opor ao ódio da guerra” (Papa Francisco, 1º. de janeiro de 2024). Desejamos paz para os inúmeros países em guerra, cujas consequências são milhares de mortes e milhões de deslocados e refugiados. Os gastos militares em 2023 foram os mais altos desde a Segunda Guerra Mundial, enquanto a fome cresceu e alcança parcela significativa da população mundial.
Acompanhamos com dor o crescimento do crime, das milícias, do narcotráfico, da violência nas cidades e no campo, do bullying, do vandalismo, do racismo, do feminicídio, do tráfico humano e da exploração sexual de crianças, adolescentes e vulneráveis; a realidade dos migrantes, do povo em situação de rua, da população encarcerada nos desafia profundamente; a corrupção, o nepotismo e o tráfico de influência violentam o país.
Necessitamos construir a paz que nasce da justiça (cf. Isaías 32,17). Esse cenário de violência se agrava pela precarização do mundo do trabalho e a tragédia do desemprego. Por ocasião da Festa do 1º de Maio, que se aproxima, a Igreja, inspirada em São José Operário, se une solidariamente aos trabalhadores e trabalhadoras nas suas memoráveis lutas por condições dignas de vida e trabalho, bem como com aqueles que continuam enfrentando antigos e novos problemas. Entendemos que o Brasil necessita de um novo marco legal que garanta a prioridade do trabalho, do bem-estar humano e da geração de emprego e renda, principalmente para os jovens.
Todos os segmentos da sociedade brasileira devem defender a vida na sua integralidade e agir solidariamente em prol de um país economicamente humanizado, politicamente democrático, socialmente justo e ecologicamente sustentável. Os extremos climáticos, em forma de desastres naturais provocados pela ganância e pelas formas equivocadas de ocupação do espaço urbano, sem planejamento e sem respeito aos mais vulneráveis, são cada vez mais intensos. A necessária transição para energias limpas deve respeitar os direitos das comunidades ao território e à qualidade de vida. A Amazônia sofre! Os povos da floresta, das matas e das águas que ali vivem não podem mais ser sacrificados num modelo de exploração que não permite o bem viver. Os outros biomas – cerrado, mata atlântica, caatinga, pampa, pantanal – igualmente importantes, estão sob pressões cada vez mais difíceis de serem revertidas.
Enfim, toda a Casa Comum sofre com a destruição. O Brasil receberá em 2025 a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças de Clima, a COP 30, em Belém do Pará, que debaterá soluções para conter o aquecimento global e criar alternativas sustentáveis para a vida na Terra. Essa Conferência poderá ser uma oportunidade de mostrar o compromisso dos governos com a obra da Criação e a responsabilidade das mulheres e dos homens como cuidadores de tudo o que Deus criou e lhes confiou. Os povos indígenas brasileiros, prejudicados por séculos, enfrentam um dos maiores ataques de sua história, por meio do Marco Temporal, que já foi declarado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como inconstitucional. Há necessidade de melhores políticas públicas na ação concreta em defesa dos povos originários e proteção às suas terras, especialmente no território Yanomami. Fundamental na vida do Brasil, passados sessenta anos do início da ditadura, a democracia ainda precisa de cuidado.
Depois do período de sistemáticos e ostensivos ataques, temos a oportunidade de fortalecê-la nas eleições municipais de 2024, através do voto consciente e livre. A consciência cívica deverá estar a serviço dos mais profundos interesses do nosso povo, pois há exigências éticas para a realização do bem comum. Por isso, os cristãos, leigos e leigas, não podem “abdicar da participação na política” (Christifideles Laici, 42). Preocupa-nos que extremismos, desprezando o projeto de fraternidade social, façam do processo eleitoral um palco de intolerância e de ainda mais violência.
Continuamos atentos ao lugar e ao espaço social ocupados pelos novos meios de comunicação. O combate à desinformação, às mentiras e às fake news que, frequentemente, usam também a linguagem religiosa para justificar interesses políticos e econômicos escusos, nos exige maior capacidade de enfrentamento e melhores mecanismos para que não seja modificada a soberania do voto. Como disse o Papa Francisco, a Inteligência Artificial corre o risco de ser rica em técnica e pobre em humanidade (cf. Papa Francisco, Mensagem dia mundial das Comunicações de 2024). A liberdade de expressão não pode estar a serviço da divisão social. A própria democracia é enfraquecida pelo ódio, o fundamentalismo e o populismo. Realistas diante dos desafios, acreditamos nos sinais de esperança.
Comunidades cristãs têm sido exemplos de uma solidariedade concreta, amizade e responsabilidade social. Submetidos às periferias sociais e existenciais, sem condições de enfrentar com dignidade o cotidiano, muitos encontram na comunidade a mão estendida que muitas vezes lhes falta do poder público. Somente a cultura do encontro pode promover uma sociedade mais justa e fraterna.
Peregrinos da esperança, em comunhão com a Campanha da Fraternidade 2024, que completa sessenta anos, conclamamos o povo brasileiro a somar forças na construção de uma única família humana. Rumo ao Jubileu da Esperança de 2025 e sob o manto protetor de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Mãe e Padroeira do Brasil, invocamos a bênção de Deus sobre todo o povo brasileiro.
Dom Jaime Spengler
Arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre – RS
Presidente da CNBBDom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo da Arquidiocese de Goiânia – GO
1º Vice-Presidente da CNBBDom Paulo Jackson Nóbrega
Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife – PE
2º Vice-Presidente da CNBBDom Ricardo Hoepers
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Brasília – DF
Secretário-Geral da CNBB