Negros e mestiços na música ituana
Na semana passada, lembramos os 260 anos do nascimento do padre Jesuíno do Monte Carmelo, até agora o mais antigo compositor conhecido na música em Itu. Ele nasceu em Santos a 25 de março de 1764, chamado Jesuíno Francisco de Paula Gusmão, filho de Domingas Inácia de Gusmão, negra liberta e pai não registrado no documento de batismo. Jesuíno, similar a outros mestiços de seu tempo, teve como sinal de preconceito um “defeito de nascimento”, como pode-se traduzir de seu processo para ordenação sacerdotal a anotação “ex defectu natalium”. Não havia o nome do pai e nem a origem, o que poderia sugerir, inclusive, descender de cristãos novos (judeus convertidos), talvez impedindo a Ordem.
A condição de mestiço, no tempo em que o Brasil estava submetido à dominação portuguesa (e de certa forma ainda hoje), acarreta(va) enormes empecilhos à atividade profissional e cultural das pessoas. Jesuíno não pôde pertencer à Ordem Terceira do Carmo dada a origem negra. A música, porém, serviu a ele para “elevar a condição social”, afinal era organista, ensaiador, regente e compositor que escreveu apreciadas páginas da música sacra para a vida católica – hoje apresentada pelo Coral Vozes de Itu – tornando-o respeitado e aceito. A qualidade de músico foi importante a muitos negros e mestiços no Brasil. Esse fenômeno, ao ser estudado, inicialmente nas Minas Gerais, a respeito de tantos músicos dos séculos XVIII e XIX, foi chamado “mulatismo”, termo atualmente em desuso, dada a sua agressividade. Mas serviu para se compreender, entre outros, a atuação e a obra do padre José Maurício Nunes Garcia, compositor da Corte de D. João VI, no Rio de Janeiro.
Em Itu, muitas gerações de músicos negros e mestiços foram atuantes e sustentaram as celebrações religiosas e civis, em bandas, orquestras e coros. Ainda no século XVIII, houve pelo menos três conhecidíssimos, os filhos do padre Jesuíno, Eliseu, padre Elias e padre Simão Stock. Já no século XIX, Miguel Dutra foi organista entre Itu e Piracicaba, deixando belas composições.
Nas bandas de música, entrando no século XX, João Narciso do Amaral e José Vitório de Quadros foram regentes e lideranças artísticas; o primeiro foi compositor também.
Vivendo, hoje, em um país de tanto preconceito, potencializado pelas pseudoteorias sobre eugenia, nascidas no final do século XIX, que incentivavam a busca por “genes bons”, oriundos de pessoas de mesma aparência, para não “enfraquecer” as novas gerações, estudar a presença de figuras negras e mestiças na atuação cultural é de fundamental importância. Lembremos que, no início do século XX, imigrantes italianos, trazidos ao Brasil para “branquear” a sociedade, assumiram liderança musical em Itu, dentre eles, pessoas da mesma cidade da minha gente, Montazzoli, nos Abruzzos: os Novelli, Liberatori, Iarussi, Titaneiro e Di Francesco. As fotos dos grupos musicais trazem somente brancos.
É preciso buscar novas fontes e estudar a participação de talentosos negros e mestiços na música ituana para compreender-se os meandros que os fizeram desaparecer da primazia musical em nossa terra.