Trecho da homilia do Papa na missa de canonização de Tito Brandsma
Acabamos de ouvir algumas das palavras que Jesus confia aos seus discípulos, antes de passar deste mundo para o Pai, manifestando nelas o que significa ser cristão: «Assim como Eu vos amei, amai-vos também vós uns aos outros» (Jo 13, 34). Este é o testamento que Cristo nos deixou, o critério fundamental para discernir se somos verdadeiramente seus discípulos ou não: o mandamento do amor. Detenhamo-nos sobre os dois elementos essenciais deste mandamento: o amor de Jesus por nós – assim como Eu vos amei – e o amor que Ele nos pede para vivermos – amai-vos também vós uns aos outros.
Assim como Eu vos amei. E como nos amou Jesus? Até ao fim, até ao dom total de Si mesmo. Causa impressão vê-Lo pronunciar estas palavras numa noite tenebrosa, enquanto se respira no Cenáculo um ambiente denso de comoção e turbamento: comoção, porque o Mestre está prestes a despedir-Se dos seus discípulos; turbamento, porque anuncia que será precisamente um deles a traí-Lo. Podemos imaginar a tristeza que havia no íntimo de Jesus, a escuridão que se adensava no coração dos apóstolos, a amargura vivida ao ver que Judas, depois de receber o bocado de pão ensopado para ele pelo Mestre, saía da sala para adentrar-se na noite da traição. E é precisamente na hora da traição que Jesus confirma o amor pelos seus. Com efeito, nas trevas e tempestades da vida, o essencial é isto: Deus nos ama.
Irmãos e irmãs, oxalá seja sempre central, na profissão da nossa fé e nas suas expressões, este anúncio: «Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou» (1 Jo 4, 10). Nunca nos esqueçamos disto! No centro, não está a nossa capacidade, os nossos méritos, mas o amor incondicional e gratuito de Deus, que não merecemos.
No início do nosso ser cristão, não estão as doutrinas e as obras, mas a maravilha de descobrir que se é amado, antes de qualquer resposta nossa. Enquanto o mundo quer muitas vezes nod convencer de que só temos valor se produzirmos resultados, o Evangelho nos lembra a verdade da vida: somos amados. E está nisto o nosso valor: somos amados. Assim escreveu um mestre espiritual do nosso tempo: «Ainda antes que nos visse qualquer ser humano, fomos vistos pelos olhos amorosos de Deus. Ainda antes que alguém nos ouvisse chorar ou rir, fomos escutados pelo nosso Deus que é todo ouvidos para nós. Ainda antes que alguém neste mundo nos falasse, já nos falava a voz do amor eterno» (H. Nouwen, Sentir-se amado, Brescia 1997, 50). Ele nos amou primeiro, esteve à nossa espera. Ama-nos e continua a nos amar. E esta é a nossa identidade: amados por Deus. Esta é a nossa força: amados por Deus. (…)
O amor que recebemos do Senhor é a força que transforma a nossa vida: dilata-nos o coração e predispõe-nos a amar. Por isso – e passamos ao segundo ponto – Jesus diz «assim como Eu vos amei, amai-vos também vós uns aos outros. Este assim como não é apenas um convite a imitar o amor de Jesus; mas significa que só podemos amar porque Ele nos amou, porque dá aos nossos corações o seu próprio Espírito, o Espírito de santidade, amor que nos cura e transforma. Por isso podemos decidir a praticar gestos de amor em toda a situação e com cada irmão e irmã que encontramos, porque somos amados e temos a força de amar. Assim como sou amado eu, posso amar. Sempre, o amor que partilho está unido ao de Jesus por mim: «assim como». Assim como Ele me amou, assim também eu posso amar. A vida cristã é assim simples, tão simples! Nós tornamos mais complicada, com tantas coisas, mas é simples assim. (…)
Servir o Evangelho e os irmãos, oferecer a própria vida sem retribuição – fazê-lo em segredo: oferecer sem esperar retribuição –, sem buscar qualquer glória mundana, mas escondido humildemente como Jesus: a isto somos chamados também nós. Os nossos companheiros de viagem, hoje canonizados, viveram assim a santidade: abraçando com entusiasmo a sua vocação – uns de sacerdote, outras de consagrada, e outros ainda de leigo –, gastaram-se pelo Evangelho, descobriram uma alegria sem par e tornaram-se reflexos luminosos do Senhor na história. Um santo ou uma santa é isto: um reflexo luminoso do Senhor na história. Tentemos fazê-lo também nós: não está fechado o caminho da santidade, é universal, é uma chamada para todos nós, começa com o Batismo, não está fechado o caminho. Tentemos também nós, porque cada um de nós é chamado à santidade, a uma santidade única e irrepetível. A santidade é sempre original, como dizia o Beato Carlos Acutis: não há santidade de fotocópia, a santidade é original, é a minha, a tua, a de cada um de nós. É única e irrepetível. Sim, o Senhor tem um plano de amor para cada um, tem um sonho para a tua vida, para a minha vida, para a vida de cada um de nós. E que posso dizer-vos eu? Levai-o para diante com alegria. Obrigado.