O hospital de Guapira (2)
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Ala de eucaliptos, pomares imensos, frutas em quantidade, viveiros de aves, galinheiros, colmeias passam a substituir em pouco tempo os terrenos ermos e estéreis. Com isso é melhorada a alimentação dos doentes, seus olhos contemplam extasiados as maravilhas da natureza, verdadeiros tapetes de flores, por eles mesmo plantadas e carinhosamente cuidadas. A previdente superiora em tudo pensa: manda construir tanques e lugares onde possam se entregar aos esportes, funda teatrinhos, imagina festas profanas e religiosas, e até mesmo uma máquina de projeções para o cineminha dos domingos. Reveste de bastante esplendor as solenidades litúrgicas, para interessar os doentes na assistência à Santa Missa, frequência à Sagrada Comunhão, devoção ao Coração de Jesus, culto especial à Virgem, veneração aos santos. Nesse setor prestam-lhe grande concurso os missionários da Salette. É fácil imaginar quanto espírito de fé e quanta coragem precisa ter o piedoso capelão para permanecer duas e mais horas seguidas no confessionário, ouvindo os míseros leprosos.
Para os seus queridos doentes, tudo ainda é pouco. Para si e para suas companheiras, Madre Emerenciana nada reserva. Contenta-se em fazer os outros contentes. Oferecem as Irmãs mais esse sacrifício, para que o Divino Esposo lhes dê forças suficientes para levarem até o fim a cruz que voluntariamente se impuseram. Para avaliar seu desprendimento, transcrevemos o final do relatório das atividades em 1918. O Mordomo da Casa tem para com as heroínas estas belas referências: “As venerandas Irmãs de São José, entre as quais se acham duas filhas de nobres famílias paulistas, vivem estoicamente naquele retiro, com a abnegada Irmã Superiora em cômodos exíguos e paupérrimos, situados do corpo central do edifício, rodeadas pelos dormitórios dos leprosos, entregues todas inteiramente aos seu sublime apostolado de caridade, animando os enfermos, confortando os agonizantes e fechando carinhosamente os olhos dos que, ao expedirem o último alento, só veem ao seu lado essas santas criaturas, assombrosas de coragem, para as quais são poucas todas as nossas homenagens.”
No Patrocínio, alma imersa em felicidade, por ver como se comportam suas filhas diante da luta terrível entre a natureza e o sobrenatural, Madre Teodora não esquece um só momento esta parcela querida que o Senhor confiou à sua guarda. Procura estabelecer sempre contato com as estoicas Irmãs de Guapira, e sempre que pode, vai lhes fazer companhia, e ajudá-las a distribuir sorrisos, guloseimas, conselhos aos doentes, sentando-se entre eles, ouvindo-lhes contar suas histórias, interessando-se por suas desventuras. Abraça-os indiferente ao perigo de contágio, feliz de poder repartir com eles os tesouros de seu grande amor a Deus, contente de encontrar ocasião para se aperfeiçoar no cultivo da excelsa virtude, que tantas vezes a levara a extremos de heroísmo. Suas visitas têm o condão maravilhoso de fazer subir o termômetro do amor de suas filhas pelos segregados do mundo, e na frase expressiva de uma delas, podemos sentir o palpitar feliz de quem se despojou até da própria carne para poder seguir à risca o grande mandamento do amor. “Não sei se a lepra já se instalou em algum parte do meu corpo. Só sei que, se tiver de descer com ela ao túmulo, não ressurgirei com ela no dia do juízo.”
Grande profissão de fé, esperança inabalável, que o Divino Chagado do Calvário terá recolhido para fazer refulgir um dia no diadema preparado para que souberam ver na ferida repugnante do hanseniano o sangue um dia jorrado no altar da Cruz salvadora.

28 de setembro de 1957

Maria Cecília Bispo Brunetti
Acervo – Museu
da Música – Itu