Sesquicentenário de um Requiem
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Em geral, a música é invisível no universo do patrimônio. Somente ao ser extraída do seu registro em papel é que torna-se viva e revelada. Confesso que, por décadas, tive curiosidade para conhecer o Requiem escrito por Tristão Mariano da Costa. Ouvi, muitas vezes, a antiga regente do Vozes de Itu, Ruth de Arruda Castro, contar-me dessa peça, do forte caráter emocional da linguagem e dos efeitos de dramaticidade. Um exemplo: na sequência, para dar vida ao texto sobre o dia do Juízo Final, no trecho “quantus tremor est futurus, quando judex est venturus, cuncta stricte discussurus” (quanto temor haverá, então, quando o Juiz vier para julgar com rigor todas as coisas), Tristão escreveu que coro e orquestra cantam as sílabas destacando umas das outras por pausas. Os espaços foram preenchidos pela flauta solo fazendo pequenas escalas cromáticas “arremedando a coruja”, sonoridade funesta. Logo em seguida, no “Tuba mirum” (trombeta poderosa), a trompa imita “a trombeta do Juízo Final”.

 Conheci a partitura em 1996 e estudei-a algumas vezes até que, em 2008, realizamos uma grande celebração na Igreja do Bom Jesus, a 6 de abril, em memória do compositor: era o centenário de sua morte. Celebrada a missa por Dom Evandro Correia OSB, cantou o Requiem o Coral Vozes de Itu acompanhado da Orquestra Tristão Mariano, reorganizada por Vinícius Gavioli. Toda a transcrição coube ao pianista Alfredo Abbati.

A obra, que agora, completa cento e cinquenta anos, pertence ao século XIX, tempo em que a morte ganhava visibilidade social dolorosa; a Igreja abria-se às missas de corpo presente ou encomendação solenes. Para as missas de sétimo ou trigésimo dia dos afortunados, cobriam-se as altas tribunas e altares com tecidos pretos; erguia-se, na nave do templo, uma “essa” alta com um pequeno caixão no topo, em memória do morto. No púlpito, o sacerdote dizia um panegírico em memória da figura lembrada. No coro, cantava-se o Requiem, nome dado à missa dedicada aos mortos, em razão do seu primeiro movimento: “Requiem aeternam dona eis Domine et lux perpertua luce at eis” (descanso eterno, dai-lhe, Senhor, e brilhe para ele a vossa luz).

A obra conta oito partes; Tristão Mariano dedicou-a à sua “sempre chorada mãe”, Maria Tereza da Costa, falecida em 1865. Foi escrita entre setembro e outubro de 1874, quando ele era o Mestre Capela da Matriz de Itu e contava bons cantores inclusive para as partes solistas, encontradas em diversos movimentos da peça.

Os originais do Requiem de Tristão Mariano da Costa (1846 – 1908) conservam-se no Museu da Música e trechos dele têm sido cantados pela Schola Cantorum de Itu. É um patrimônio ituano que voltou à vida e permanece entre nós como parte da cultura própria desta terra.

Na última página da partitura original, o autor registrou: “o tempo passa depressa e tudo destrói; infinito só Deus e com ele a eternidade”. Que a memória de Tristão Mariano da Costa também seja infinita, pela beleza e representatividade do que nos deixou.