Questão antiga
Antigas sim, mais do que o fato de se andar para a frente.
Desde logo e em aberto, cuida-se de explicar que a interrupção brusca de redigir semanalmente a crônica habitual, além das considerações em torno do evangelho dominical, no passado faziam-se mais fáceis e sem delongas. Os temas surgiam como que espontâneos e fluentes.
Fala-se de tempos idos quando aqui pontificaram semanalmente nomes da mais alta expressão, ora não citados, para evitar omissões. É passado que não se recompõe; aí incluída a grande imprensa, “O Estadão” e “A Folha”, que o digam.
Disso resulta – sob o igual ou maior peso – o denodo da permanência da imprensa interiorana, corajosamente, em ato de pura e proverbial sobrevivência, salvo as respeitosas exceções.
A reviravolta nos usos e costumes, hodierna, provoca e em muito a saudade de tempos idos e mais proveitosamente vividos. Tudo era autêntico e simples, quando não simplório.
– Bernardo, dá um pulo no “Tristão” (esquina das Cesário Mota e Floriano) e traz um quilo de arroz e meio de batatas. Morávamos na rua Barão do ltaim (no antigo “sobrado”, hoje complemento do Museu).
Com a maior preguiça, lá ia eu, exceção feita, a do pagamento mensal, do qual voltava com uma lata de goiabada ou algo semelhante. A gente vivia em estado de pobreza e carência, felizes todos, graças a Deus. Vivia-se a simplicidade.
O jardim do Carmo, a sede para encontro, sobretudo o começo da noite, onde acomodados sobre as imensas raízes da figueira, definíamos o tipo da diversão da noite, quase sempre divididos em bandidos e mocinhos, influência inegável das sessões domingueiras da matinê do Cine Central.
Fora esse o período, – sim, sei – aqui repetido já centenas de vezes, de que entre os dez e onze anos de idade – me transformei em devotado leitor da revista “O Cruzeiro”, na casa do Plínio, mas preferentemente da Última Página, sob a égide inigualável da fluente Rachel de Queiroz.
Aliás, este adendo, sua completa interpretação e reconhecimento, compendia também as páginas humorísticas de Vão Gogo e companheiro, este, cujo nome a memória combalida se nega lembrar.
Deixe-me relembrar, para que se não diga de mim um esquecido repetidor do passado – mais uma vez – a trazer para cá memórias aos poucos sedimentadas ou desgastadas.
Comprova a fuga desapercebida de certas lembranças das memórias, como a de que, um tempo atrás, um neto, acho que já quarentão, diz se lembrar de que eu o levava na minha bicicleta ou subíamos na mangueira. Será?
Quem haveria de dizer que um dia, este xereta de outros tempos, vagueara Brasil afora e extra limites, como os dos sessenta dias no Japão, ao léu, sem programação definida. Estranhamente, hoje, admiro-me dessa e de outras quase aventuras e, mais ainda, de sair só e sem destino fixo, autêntico vaguear.
Ah, seja dito também, protegido e acolitado por Deus Nosso Senhor, com raízes inoculadas em mim, com a reza diária do Terço em casa, nós, ajoelhados nos lados da sua cama e ela, a inesquecível dona Antônia, em pé e nos fundos, a nos comandar.
– Mas Bernardo, hoje, mais que nunca, você se mostra repetitivo em excesso.
Dessa falha – ou desse escape – perdoem-me os amigos e mais leitores novos, se houverem. Aliás, uma auto reprimenda de mim, para comigo mesmo.
Acham que devo terminar por aqui?
Então, um abraço a amigos ou leitores novos.
Sabem daqueles que precisam ir embora numa roda de papo furado e se justificam com desculpas esfarrapadas? Neste caso, contudo, porque me chamam à mesa.
O almoço está posto.