As ciladas  digitais
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por Celso Tomba

Já faz um tempo – cerca trinta anos – que está em curso o processo de digitalização de um número cada vez maior de aspectos e processos da vida em sociedade. Diferente da vida até meados da década de 1980, vivemos hoje num mundo em que quase tudo foi digitalizado, permitindo que seja medido, contado, comparado, analisado e utilizado com as mais diversas finalidades, numa velocidade cada vez maior.
Não há dúvida que esse processo, que tornou nossa vida cada vez mais “digital”, trouxe uma série de benefícios, muitos deles tão presentes em nosso dia a dia que não somos mais capazes de pensar nossa vida sem eles. Mas é importante destacar que esse processo também trouxe problemas junto com os benefícios. Em vários aspectos.
Um exemplo importante é o das redes sociais. Criada na esteira da digitalização e do aprimoramento das tecnologias de informática e comunicação, as redes sociais surgiram com a proposta de possibilitarem maior aproximação entre as pessoas e de criarem um espaço em que todos pudessem expressar livremente suas ideias.
No entanto, o que encontramos hoje são “bolhas” criadas pelos algoritmos que nos oferecem mais daquilo que nós mais curtimos e mais compartilhamos nas nossas interações. Como resultado, vivemos cada vez mais imersos num universo em que o diferente, divergente ou até contraditório em relação àquilo que acreditamos, almejamos ou desejamos não chega até nós.
Esses algoritmos, dos quais pouco ou nada conhecemos, são formulados pelas várias plataformas das redes sociais com o objetivo principal de gerar lucros. Não que isso seja errado ou condenável. Mas é preciso compreender que a liberdade de encontrar pessoas, informações e conteúdos parece ter sido substituído por algo um pouco diferente.
No documento intitulado “Rumo à presença plena”, publicado em maio último, o Dicastério para a Comunicação – órgão do Vaticano – destaca a importância de estarmos alertas em relação ao que chama de “ciladas nas rodovias digitais”.
É importante ter a clareza de que a lógica que faz funcionar as redes sociais é a dos interesses mercadológicos, daquilo que dá maior audiência, que prende nossa atenção e nos faz entregar, sem reclamar, nosso tempo e nossas preferências.
Também é importante perceber que as propagadas igualdade e liberdade nas redes sociais têm se mostrado uma utopia. Nem todas as pessoas têm acesso às redes sociais e nem todas que estão dentro delas têm o mesmo acesso que as demais. Quanto à liberdade, ela está restrita às regras dos algoritmos, que nos direcionam conforme os interesses das plataformas.
“Estar cientes destas ciladas ajuda-nos a discernir e desmascarar a lógica que polui o ambiente das redes sociais, e a procurar uma solução para este descontentamento digital. É importante apreciar o mundo digital e reconhecê-lo como parte da nossa vida. No entanto, é na complementaridade das experiências digitais e físicas que se constroem a vida e a jornada humanas” – destaca o documento.
Conhecer e estar atento a essas “ciladas” é uma forma de evitá-las e encontrar formas de tornar nossa presença nas redes sociais uma presença plena de significado, de quem acredita que o Evangelho deve ser vivenciado em todos os ambientes em que estamos.