A evocação de um passado
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Provações e sacrifícios esperam as intrépidas bandeirantes, apenas o navio se põe em marcha. Vitimada por traiçoeira gripe, Madre Basília põe em sobressalto o coração de suas filhas. Compreendem todas que o Divino Mestre a escolhera como vítima, para atrair as bênçãos celestes sobre a nova ogra. Com a alma estraçalhada pela dor gelada da orfandade, ao vê-la morta, apenas a dois dias da terra, parecem ouvi-la: “Ali é que eu desejava ir convosco, mas Deus não o quer. Ide, com coragem, ide trabalhar, eu rezarei por vós.”
É que estava nos planos insondáveis do Criador que a outra caberia iniciar a obra josefina em nossa pátria. Na longínqua França, alguém travava violento combate consigo mesma. Nosso Senhor lhe dizia: “És tu que deves partir…” Mas, uma repugnância invencível pelo país distante roia-lhe a alma…
Sem o carinho e a decisão da Superiora tragada pelas águas, chegam as Irmãs ao Rio, onde são simpaticamente recebidas na Santa Casa pelas Irmãs de São Vicente de Paula. Dali seguem para São Paulo. O hábito das religiosas, coisa desconhecida dos paulistanos da época, chama a atenção dos curiosos. Todos as acompanham respeitosamente até a sede episcopal onde soleníssimo Te Deum eleva aos céus os corações agradecidos da gente bandeirante pela dádiva de novas pioneiras para a seara do Senhor.
A viagem prossegue lenta e calma. Ao cabo de algum tempo, atingem o pouso que lhes é oferecido numa vivenda luxuosa da capital paulista. Grande número de escravos fica a postos para servi-las. Trazem-lhes água em bacias de prata para lavarem os pés. Quanta honraria para aquelas que, no silêncio e na humildade, agradeceriam a Deus, consumindo a vida na educação das sinhasinhas…
Já perto de Itu, junto à Lagoa Seca, descem da carruagem, no lugar hoje, por feliz coincidência, se levanta o pavilhão Madre Maria Teodora, na Vila Vicentina. A pé, continuam o trajeto até a casa provisória, sempre rodeadas de povo, com donzelas vestidas de branco a juncar-lhes, de flores, o caminho e rojões a espocar no ar.
Dom Antonio Joaquim de Melo, o feliz idealizador da fundação, com a alma em festa, carinhosamente as recebe abençoa. Deixa-as em companhia de distintas damas ituanas, entre as quais a exma. Sra.. D. Gabriela de Souza Barros, filha do Barão de Piracicaba, que não pouca dedicação e provas de amizade às abnegadas francesinhas.
Estávamos a 4 de outubro de 1858. Data inesquecível, que procuraremos comemorar condignamente ao seu primeiro centenário. A exemplo daquele dia, os sinos novamente bimbalharão festivos, rojões riscarão o espaço, flores juncarão o solo e, corações ao alto, numa prece de gratidão imorredoura, saudaremos as semeadoras do bem, as portadoras da luz, fixando também nossa saudade na “Apóstola invisível”, a Madre Maria Basília, aquela que, em holocausto bendito, apenas entreviu a Terra das Palmeiras nos seus sonhos de Apostolado e nas suas preces de Missionária.

09 de março de 1957

Maria Cecília Bispo Brunetti
Acervo – Museu
da Música – Itu