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Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

Na sociedade atual, há uma tendência é de promover indivíduos sem laços nem pertença familiar, pois, desse modo, é mais fácil manipulá-lo. Assim, a estrutura e a solidariedade familiares se opõem a essa concepção, pois a família é um dos únicos espaços que restou e que se faz, minimamente, a experiência da gratuidade.

Nos últimos quarenta anos, não houve apenas uma revolução nos costumes e na sexualidade, houve, também, uma permissividade sem precedentes, e uma banalização do vínculo matrimonial, culminando com a ruína da paternidade e o quase desaparecimento da figura do pai.

Junto com essa desestruturação familiar, ocorre outra não menos importante, que tem inquietado pesquisadores de várias disciplinas: a ruína da família como instituição para a união contratual. A família nuclear, como instituição, que é o instrumento pelo qual a coletividade institui seu novo membro – a criança – como ser humano, na cadeia das gerações, está sendo menosprezada.

Emergiu outro tipo de acepção de família, na qual ela surge, primeiramente, como um espaço de desenvolvimento afetivo e sexual, de amor, paixão, desejo, o que não deixa de ser um grande avanço em relação à ética austera das famílias anteriores, cimentadas no dever e na necessidade de perpetuar a espécie, educando as crianças. A família como instituição, no sentido de fundar, criar, inscrita na duração e na estabilidade, passa para o segundo plano.

A partir da instauração do divórcio e da contracepção, essa visão de casal se solidificou ainda mais, e o dever não era mais visto em termos de sacrifício, paciência ou renúncias, mas de fidelidade a si mesmo. Aparece uma nova concepção de família “a la carte”, gerida segundo o princípio individualista. Alguns comportamentos, antes vistos como provas de coragem e de abnegação, como, por exemplo, dedicar tempo para cuidar de um idoso enfermo em casa, na atualidade, são interpretados por muitas pessoas como algo negativo. A prioridade é a felicidade individual e imediata.

Esse individualismo que atinge o núcleo familiar está deixando sem respostas a situação das crianças, isto é, da filiação. O grande desafio atual é o de harmonizar duas realidades antagônicas, ou seja, conciliar duas exigências que, em teoria, se excluem: a do amor, livre de tutelas e pressões e o da transmissão, em que os filhos sejam humanizados pela presença de um pai e de uma mãe.

A Campanha da Fraternidade, no ano de 1994, escolheu a Família como tema e teve por lema: “A família, como vai?” Já naquela época, a Igreja constatava que a instituição do casamento passava por transformações delicadas pela fragilidade do vínculo e do compromisso com a prole.

Antigamente, as famosas obrigações matrimoniais (que nos dias atuais são rejeitadas) não eram vividas como tais; elas eram introjetadas, naturalmente, pela coletividade. Sabe-se que não se pode voltar ao passado, pois a prioridade dada à liberdade e ao consentimento renovado, dentro do casamento, não é corrupção de costumes. Entretanto e, acima de tudo, será preciso insistir em romper com essa narrativa individualista e valorizar o amor conjugal, quando homem e mulher estão empenhados em renovar, diariamente, sua união e enriquecer, na cotidianidade, a trama conjugal.