Situação atual brasileira: perspectiva histórica e ampliação democrática
Compartilhe

“A democracia se opõe à ditadura, às tendências autoritárias, correntes nazifascistas e violência social, ao desrespeito às leis (sobretudo à Constituição), às pessoas e aos direitos e deveres da cidadania.”

O primeiro tumultuado semestre do governo recém-eleito termina com muitos embates, com resultados socioeconômicos e internacionais. Contudo, a necessidade de aprovação de pautas importantes (como a reforma tributária), conquista de apoios e coalizão governamental são usadas para justificar a distribuição de ministérios sem embasamento em projetos. Tal estratégia revela persistência de deformações políticas, sede desmesurada de poder e multiplicação de exigências gananciosas de verbas ou postos para votar cada proposta.

Essa situação transforma nossa democracia num vergonhoso balcão de negócios. É necessário restabelecer a governabilidade e equilíbrio dos poderes colocando o bem comum acima dos interesses de grupos e pessoas. No cenário nacional, permanecem a polarização, narrativas paralelas, fechamento ao diálogo e argumentos distintos. Embora menos efervescentes, prosseguem a discórdia e divisão do país.

Nesse contexto, crescem o desencanto, instabilidade social, tendências autoritárias e nazifascistas, que angariam e armam adeptos até entre jovens escolares! É fundamental entender as raízes e perspectivas históricas da situação democrática atual em relação com a ditadura e violência social, opondo-se às suas diferentes manifestações e condições pela participação na transformação social, luta pela justiça social e ampliação da democracia.

Minhas análises dessa crise – em processo há algum tempo – não são apenas teóricas. Baseiam-se na caminhada espiritual, história familiar e experiência de minha geração, traçada com lágrimas e sangue na ditadura instalada, no Brasil, em 1964. Estes acontecimentos tornaram-me avessa a toda ditadura, quaisquer que sejam suas justificativas ideológicas.

Após a IIª Guerra Mundial, a democracia se consolidava, no Brasil, até ser bruscamente interrompida pela imposição da ditadura. É imprescindível conhecermos sua face escondida. Ela foi apoiada por poderosas forças político-econômicas – que temiam as reformas sociais propostas pelo governo da época – e pela chamada ‘ala golpista das forças armadas’. Estas derrotaram a ‘ala militar legalista’, que garantira a posse do Presidente Juscelino Kubitscheck e formação de uma ampla frente democrática no Parlamento.

Mais de 6 mil militares opostos à ditadura foram expulsos de suas corporações e perseguidos. Perdi muitos amigos que defendiam transformações sociais democráticas. Foram presos, torturados e mortos, em seus cárceres. Assisti à apreensão e queima de livros; editoras fechadas; artistas, intelectuais, jornalistas, políticos, professores e estudantes obrigados a calarem-se; opiniões, ideais e a livre expressão do pensamento sendo amordaçados.

Meu pai – então professor de uma instituição do Ministério da Educação – perdeu seus direitos políticos, foi preso e teve muitos livros proibidos. Saí do país, e quando retornei de férias, um antigo namorado me convidou para jantar. Eu me apaixonara por ele na adolescência, em Itu, quando ele acabava de ingressar na Escola Militar das Agulhas Negras.

No jantar, ele narrou como conseguiu galgar altos postos em sua carreira militar. No auge da narração confidenciou orgulhosamente ter desempenhado ‘papel importante na ditadura’: tinha torturado várias pessoas, quando servia em Santos. Emudeci horrorizada, e – terminando rapidamente de jantar – pedi que me levasse para casa. Jamais quis revê-lo, porém não esqueci este exemplo do terrível lado oculto da ditadura. Experimentando-a aprendi o valor da democracia – independentemente de escolhas partidárias!