Pe. Ranulpho Moraes Amirat, SJ (1923 – 2010)
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por Padre Paulo de Arruda D’Elboux SJ

Eu estava com 14 anos e fazia o Curso Ginasial, em Nova Friburgo, quando o professor de Português nos estimulou a corresponder com estudantes de outros países.

Lembrei-me de ter visto numa revista, que dois jesuítas brasileiros estudavam nos Estados Unidos. Um deles era o Pe. Amirat. Estava fazendo o curso de Teologia, antes de passar pelo de Física, na Stanford University, na California.
Estava assim definido o meu correspondente!

A carta certamente foi escrita em um rudimentar inglês de dicionário! Naquela época não se exercitava a conversação!

O fato é que, algumas semanas depois, recebia a esperada resposta, acompanhada com alguns exemplares de revistas em quadrinhos das crianças americanas! Fiquei envaidecido, senti-me gratificado!

A correspondência não teve continuidade, mas ficou em minha memória a imagem do Pe. Amirat como uma pessoa acolhedora e amiga.

O tempo passou, terminei o ginasial, fiz o Curso Clássico e entrei para a Companhia! Estava em Nova Friburgo, no último ano do Curso de Filosofia, em 1962, quando o Pe. Amirat foi nomeado Reitor da nossa Faculdade Nossa Senhora Medianeira.

Finalmente vim a conhecer pessoalmente quem era aquele jesuíta que me cativou na adolescência e agora o nosso reitor!

O Brasil atravessava a fase política complexa que precedeu a revolução de 1964. Como estudantes universitários, participávamos das atividades políticas da UNE através do Diretório Acadêmico, motivados também pelo trabalho que desenvolvia nosso melhor professor, Pe. Henrique Vaz, com os universitários da JUC, no Rio de Janeiro.

Vivíamos naquela época, a situação polarizada e radical na qual hoje se encontram os estudantes das universidades!
Pe. Amirat vinha com a missão de pôr ordem na comunidade, cuidar de que a formação intelectual e a vida religiosa não fossem prejudicadas pelo excessivo envolvimento da militância política, com o esvaziamento do sentido da vocação e consequente relaxamento da disciplina. Foi uma tarefa que exigiu determinação, firmeza, muita paciência e habilidade, com decisões que afetavam os estudos, a disciplina comunitária e a prática dos votos.

Não estava sozinho. Tinha o respaldo do Provincial, a colaboração dos professores e sobretudo mantinha, com poucas palavras, uma postura serena, objetiva.

Mensalmente era reservada uma manhã para a revisão da vida comunitária. Ficou-me profundamente gravada uma das primeiras quando, na cátedra, permanecendo em pé, tendo numa das mãos o livro das Constituições da Companhia, com a outra apontou para o livro dizendo em alto e bom som: “os dois pés aqui, ou os dois fora”!

No entanto, sabia compensar as exigências com a descontração do relacionamento; proporcionar o bem-estar da rotina comunitária e da convivência entre os jovens. Por exemplo, trouxe a capela Mater Pietatis para a área comunitária, autorizou a criação da Sala de Música acústica, uma nova quinta na montanha para o almoço das quartas feiras.

Guardo saudosa lembrança do acampamento à Praia da Ferradura, em Búzios, litoral fluminense, então uma praia deserta, onde a família de nosso colega Guilherme Guinle tinha uma propriedade. Fomos de caminhão, dirigido pelo Ir. Nogueira, desde Nova Friburgo até lá! Pela primeira vez, experimentamos bife de carne de baleia! Aproveitamos da praia e alguns tentaram fazer pesca submarina!

Pe. Amirat conseguiu assim cumprir o objetivo a que se propusera, por meios bem diferentes dos que foram aplicados ao país, pelo regime militar. Foi uma missão de João Batista, nos primórdios do Concílio Vaticano II.

Eu estava na Teologia quando, terminando a gestão, Pe. Amirat foi destinado ao Rio de Janeiro, para a Universidade Católica. Por três anos trabalhou no Laboratório de Física. Acabava de chegar o primeiro computador para a implantação da informática. Impressionava o espaço que ocupava e cuidados que exigia, quando hoje, um modesto celular oferece imediatamente muitíssimos mais recursos!

Depois de três anos, manifestou ao Provincial o desejo de deixar a vida acadêmica para dedicar-se a ministérios pastorais. Desta forma, em 1968, para sua felicidade e a alegria dos ituanos, chegava para residir na comunidade que a Companhia mantinha em Itu, desde a fundação do Colégio São Luis, mais tarde transferido para São Paulo, ficando o prédio com o Exército para instalar o Quartel.

Os padres tinham na Igreja do Bom Jesus, o local ideal para desenvolver os ministérios sacerdotais nas celebrações, no atendimento das confissões, na orientação espiritual, assistência ao Apostolado da Oração e Congregação Mariana. Entre eles, o Pe. Amirat destacava-se pela forma simpática de acolher as pessoas, descontraindo a conversa com um sorriso, com uma brincadeira.

Aproveitou-se dos tempos livres para, entre as iniciativas, construir um genial presépio mecânico com de figurinhas que se movimentavam. No início, ficava na sede da Congregação, era bem modesto: um anjinho que inclinava a cabeça para agradecer a moeda depositada no cofrinho!

Cada ano as figurinhas foram aumentando sendo necessário ser armado no Salão, tornando-se atração turística da cidade, no tempo do Natal.

Não sei qual o destino que deu quando em 1992 deixou Itu e foi para Itaici. Nessa Casa de Retiro encontrou a tranquilidade que desejava pois se encontrava à vontade para dispor de tempo e locais para rezar pela Igreja e pela Companhia. A natureza, o silêncio, as capelas e corredores de mosteiro, tudo colaborava para isso.

Mesmo assim, não permaneceu ocioso. Com conhecimento da eletrônica ocupava-se da manutenção dos diversos aparelhos de som, principalmente por ocasião das reuniões da CNBB e celebrações da igreja.

Em junho de 2010, Pe. Amirat alcançou a paz dos justos no coração de Deus! Deixou-nos o testemunho de fidelidade e amor ao sacerdócio e à Companhia, vivendo na simplicidade de seus dias aquilo que Santo Inácio pede a cada jesuíta: em tudo amar e servir, para a maior glória de Deus.

(Foto em destaque: Padre Amirat dando a bênção do Santíssimo na igreja do Bom Jesus, ano de 1989 – Coleção Altair José Estrada Júnior)