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Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

As cidades surgiram para proteger a humanidade e favorecer processos de humanização. Elas nasceram contra um período de nomadismo que não situava o ser humano nem lhe permitia cuidar ou reinar sobre a Terra. Elas se posicionaram contra o absolutismo do clã, que dava identidade ao indivíduo, mas o aprisionava no espaço do parentesco e da semelhança. As cidades sempre foram lugares de manifestação do ser humano, espaços fecundos para a expressão e a exaltação do ethos.

A identidade que a cidade proporciona aos seres humanos é uma identidade dinâmica, constantemente reconstruída e renovada; logo, é um contínuo processo de mudança, exercido numa força centrípeta, capaz de atrair todos, inclusive o diferente, o desconhecido e o estrangeiro.

A cidade tem uma vocação de reconhecimento do outro, desconhecido e inesperado, uma vocação à pluralidade e à complexidade. A vida urbana, necessariamente, precisa dessa abertura, do reconhecimento, da capacidade de integrar o novo e o diverso, para instaurar uma profunda unidade, uma nova solidariedade, uma comunidade que enriqueça a polis.

No Paganismo, as cidades eram tidas como sagradas, porque sua fundação era atribuída a deuses. No Cristianismo, o que torna as cidades sagradas é o agir humano. As pessoas são templos do Espírito Santo, são edificações de Deus, por isso, a coletividade é significativa para a reflexão cristã.

A cidade, como representação da humanidade, até pode ser construída na autossuficiência em relação a Deus. Toda cidade pode ser Babilônia ou Jerusalém, por isso, ela é parábola da humanidade nas dimensões social e coletiva. Ela pode ser Babel ou Nínive. A cidade moderna é secularizada, heterônoma, lugar comum para todos, campo da vida pública.

Nela se encontram e desencontram homens e mulheres, cristãos e não cristãos e crentes e ateus, aqueles que buscam um sentido para viver, bem como os indiferentes. Mesmo assim, viver na cidade, para os cristãos, é um desafio necessário. Na Igreja primitiva, o testemunho de vida e fé dos seguidores de Jesus Cristo expressava sua capacidade de se integrar ao mundo no qual se encontravam.

A fé cristã é interpelada pela cultura urbana. Trata-se de uma provocação positiva, segundo o Papa Francisco, pois “a presença de Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos efetuam para encontrar apoio e sentido para a sua vida. Ele vive entre os citadinos, promovendo a solidariedade e a fraternidade. O desejo do bem da verdade e da justiça.

O Cristianismo, como todas as religiões, inclui um itinerário para que o reconhecimento de Deus seja ou pela interioridade, ou pelo contato com a realidade externa da natureza ou da história. Especificamente evangélica, entretanto, é a experiência de Deus na aproximação com o outro. Essa situação indica que nada está mais distante do individualismo, do egoísmo, da indiferença diante dos problemas sociais, do que o Evangelho de Cristo.

O Reino de Deus implica compromisso e engajamento social. Deus habita na cidade, e é preciso reconhecer os sinais de sua presença em meio às diversas formas de ser e viver em comunidade.